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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Silêncio de Martin Scorsese (V)

Ontem fui ver o - mais que esperado - Silêncio. Acho que ainda estou a digerir o filme, de facto é impossível ficar indiferente, de facto é impossível não ficar incomodado, de facto é impossível não sentir nada em relação ao filme, talvez isso explique os tantos artigos de opinião.... 
Ontem fui ver o filme, mas hoje ainda estou a processar...            
~~~
 /// Loading na minha cabeça \\\




Mas sim, agora sim, posso escrever as minhas própria palavras, as minhas próprias conclusões. Só preciso de parar o Loading e de ter tempo.
Podem aguardar! Não será surpreendente, não será diferente daquilo que já lemos, que já sentimos, mas será a minha visão...

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Silêncio de Martin Scorsese (IV)

Parece que hoje vou finalmente ver o filme de Martin Scorsese, o Silêncio, depois de muito barulho. Também foi hoje. que o Padre Gonçalo Portocarrero escreveu a sua crónica acerca do filme, e, como sempre, brilhante, histórico, incisivo, directo, um pouco ao estilo tomista, o Padre Gonçalo faz um retrato do que é essencial e do que é verdadeiramente fé (indissolúvel do Amor de Deus).




Os sete pecados capitais do romance de Shusaku Endo e do filme de Martin Scorcese, segundo a doutrina e a moral católicas, pecados que decorrem de contradições com princípios básicos da fé cristã.
O filme ‘Silêncio’ tem certamente muitas qualidades cinematográficas, mas também tem, pelo menos, sete pecados capitais. Não os clássicos, mas os que decorrem das contradições entre o seu argumento e alguns princípios básicos da fé cristã e da moral católica.
O argumento do filme, inspirado no homónimo romance de Shusaku Endo, poder-se-ia resumir numa frase: por caridade, seria justificável a apostasia, ou seja, a rejeição da fé. Nalguns casos, o martírio, que é a vitória da fé, deveria ceder ante o imperativo da caridade: não seria virtuosa a morte que arrastasse consigo a vida de seres inocentes. Num contexto de uma eventual perseguição, poderia ser até meritória a apostasia, como expressão de um amor desinteressado, porque o mártir poderia ser, em última análise, um orgulhoso que, para garantir a sua própria glória, permitiria a tortura e morte de fiéis inocentes. Pelo contrário, o cristão autêntico seria o que, por amor aos outros – não é a caridade a principal virtude cristã?! – se disporia até a renegar a sua fé, mesmo sabendo que, desse modo, pecaria gravemente e, portanto, comprometeria a sua salvação.

Este é, grosso modo, o argumento de ‘Silêncio’, o romance de Shasaku Endo que Martin Scorcese realizou como filme. Mas, esta tese é aceitável segundo os ensinamentos da fé cristã e da moral católica? Não parece, à conta dos sete pecados capitais deste ensurdecedor ‘Silêncio …
1. O primeiro pecado capital de ‘Silêncio’ é, precisamente, a contradição que estabelece entre a fé e a caridade cristã, insinuando que, nalgum caso, pudesse ser necessário negar a fé para salvaguardar a caridade, ou seja, apostatar por amor. Uma tal suposição contraria a noção de martírio cristão, que não é, como se pretende fazer crer, um acto de orgulhosa afirmação pessoal, mas um acto supremo de caridade cristã: “ninguém tem maior amor do que quem dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13). São Paulo ensina que a morte mais cruel, sofrida pela fé, mas sem amor, não só não é martírio como não teria, em termos cristãos, nenhum valor: “ainda que eu (…) entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada me aproveita” (1Cor 13, 3). O mártir não antepõe a sua salvação e glória eterna ao bem dos outros mas, imitando Cristo, oferece a sua vida pelos seus irmãos e pelo bem das suas almas. Mesmo sendo, em termos humanos, inglória a morte do mártir, a Igreja sempre considerou que o martírio nunca é um acto egoísta, nem em vão, porque o sangue dos mártires é sementeira de novos cristãos.

Note-se que, antes de Cristo, o povo judeu já tinha esta convicção: a mãe dos sete irmãos macabeus exorta-os a permanecerem fiéis até à morte, pois seria desonrosa a sua apostasia, não só para eles, mas também para a sua família e para todo o povo de Deus. Quando as autoridades pedem à piedosa mãe que, pelo menos, evite a morte do último filho que lhe resta, aquela santa mãe que, “cheia de nobres sentimentos, juntava uma coragem varonil à ternura de mulher” (2Mac 7, 21), anima-o a permanecer fiel até à morte: “Não temas, portanto, este carrasco, mas sê digno dos teus irmãos e aceita a morte, para que, no dia da misericórdia, eu te encontre no meio deles” (2Mac 7, 29). A sua cedência seria sempre, mesmo naquele contexto tão doloroso, uma ignominiosa traição e, ao invés, a sua fidelidade até à morte, a melhor expressão da sua caridade, também para com os seus irmãos e a sua mãe, que por isso o anima a abraçar o martírio.

2. O segundo pecado capital de ‘Silêncio’ é a suposição de que um acto, em si mesmo mau, poderia não sê-lo num determinado contexto. Ou seja, mentir ou apostatar seriam justificáveis em legítima defesa, ante uma agressão injusta e brutal. É nesta contradição que radica o relativismo do argumento porque, segundo a moral cristã, uma acção intrinsecamente má não pode deixar de o ser, mesmo se for um meio para alcançar um bem maior. Não se pode matar um ser humano inocente, nem apostatar, mesmo que seja para salvar outras vidas.

3. O terceiro pecado capital radica na suposta independência entre os actos de um sujeito e a sua fé, ou seja, um crente poderia externamente apostatar, sem contudo negar a fé no seu interior. Mas não se pode restringir a afirmação da fé a uma mera atitude interior, porque é pelas obras que se conhece a verdadeira fé.

A cena final deste filme sugere, com efeito, que a apostasia poderia, na realidade, não ter afectado a verdadeira fé do apóstata, porque este, embora exteriormente tivesse publicamente repudiado a sua condição cristã, no seu íntimo continuaria a ser católico, mesmo vivendo em aberta contradição com a sua fé. Mas, seria cristã uma tal contradição entre as obras exteriores e as convicções íntimas?!

É óbvio que essa duplicidade, se consciente e voluntária, não é compatível com a fé cristã que, mais do que acreditar numas determinadas verdades, exige uma vivência de acordo com esses princípios, que o são precisamente porque têm correspondência com a prática. Portanto, não é católico quem diz que o é, mas quem procura viver como tal. Em caso de contradição entre a fé e as obras, é pelas obras que se há-de conhecer a fé e não o contrário: “de que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? (…). Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda: poderá alguém alegar sensatamente: Tu tens a fé, e eu tenho as obras, mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé. Tu crês que há um só Deus? Fazes bem. Também o crêem os demónios, mas enchem-se de terror. (…) Assim como o corpo sem alma está morto, assim também a fé sem obras está morta” (Tg 2, 14. 18-19. 26).

4. O quarto pecado capital tem que ver com o silêncio propriamente dito, que serve de título ao romance e ao filme correspondente. Na realidade, é quase blasfema a afirmação de que Deus se mantém silencioso quando os padres Ferreira e Rodrigues se enfrentam com um doloroso dilema, porque eles sabem muito bem qual a resposta de Deus a essa sua dúvida. Com efeito, Deus fala pela Sagrada Escritura, Deus fala pela sagrada tradição, Deus fala pelo magistério da sua Igreja, Deus fala pela oração, Deus fala pela obediência do religioso ao seu superior, Deus fala ainda pela voz da recta consciência. Mais do que silêncio de Deus, haveria que falar da surdez dos homens que não querem ouvir a sua voz, ou da sua fraqueza para cumprirem os seus mandatos.

Imputar, a um hipotético silêncio divino, a culpa pela apostasia do missionário é tão absurdo como seria despropositado que um assassino se desculpasse do crime que realizou, dizendo que não ouviu nenhuma voz do alto proibindo-o de matar …

5. O quinto pecado capital de ‘Silêncio’ é a sua tentativa de apresentar a religião católica como um produto ocidental que se opõe à tradição e cultura nipónica, como se os missionários, com o pretexto de evangelizar, no fundo fossem colonizadores, ou agentes de um certo imperialismo cultural. Neste sentido, a reacção das autoridades japonesas seria, em primeiro lugar, patriótica e, neste sentido, pelo menos compreensível, se não mesmo louvável.

Ora o Cristianismo não pertence, em regime de exclusividade, a nenhuma cultura ou tradição mas, como verdade que é, faz parte do património universal da humanidade. Seria absurdo considerar que a evangelização da Europa foi, na realidade, uma acção colonialista oriental, só porque os cultos pagãos europeus foram substituídos pela crença judaico-cristã, de origem asiática. Toda a verdade, nomeadamente a fé cristã, não é de nenhum povo em particular mas, como a ciência, é património de toda a humanidade: é por isso que a Igreja é católica, ou seja, universal.

Em cada país, a fé cristã adapta-se perfeitamente aos usos e costumes locais, desde que sejam moralmente lícitos. Diga-se de passagem que nesse processo, nem sempre fácil, de inculturação da fé, os jesuítas realizaram um trabalho admirável, nomeadamente no Extremo Oriente.

6. O sexto pecado capital de ‘Silêncio’ é o que decorre da metodologia adoptada para o tratamento cinematográfico, mesmo que ficcionado, de uma determinada realidade histórica. Com efeito, a dificílima evangelização do Japão é uma das páginas mais heroicas da história da Igreja Católica e da Companhia de Jesus: ao referi-la pela perspectiva da apostasia de uns poucos, ofende-se a memória dos muitos que foram verdadeiros heróis. A apostasia de alguns foi a excepção à regra do martírio de tantos: recordem-se, por exemplo, São Paulo Miki e os seus companheiros mártires.

É verdade que o Padre Cristóvão Ferreira apostatou e não foi o único, mas contar a evangelização do Japão por esse prisma é tão incongruente como seria injusto expor a acção heroica dos 40 conjurados que restauraram a independência nacional, em 1640, pelo prisma do traidor Miguel de Vasconcelos …

7. O sétimo pecado capital de ‘Silêncio’ é confundir apostasia com apóstatas, transferindo o perdão e compreensão de que os apóstatas, como quaisquer outros pecadores, carecem, para a própria apostasia, que é deste jeito moralmente justificada. Ora a Igreja sempre ensinou a amar os pecadores e a detestar o pecado, de modo semelhante a como o médico luta contra a doença, mas acolhe e protege os doentes. A tolerância é para o pecador, não para o pecado e, mesmo aquele, só pode ser perdoado e acolhido de novo se verdadeiramente arrependido.

A Igreja sempre venerou os mártires, mas nunca os confundiu com os apóstatas, que também nunca excluiu, muito embora requeresse, para o seu perdão e readmissão na comunhão eclesial, o seu arrependimento e penitência, que devia ser pública quando a apostasia também o era. Assim aconteceu com os primeiros cristãos que fraquejaram ante as perseguições romanas, os lapsi, sobre os quais S. Cipriano de Cartago escreveu um tratado.

Ao contrário dos muçulmanos, que ainda hoje aplicam a pena capital aos renegados, a Igreja Católica, sem nunca legitimar a apostasia, sempre perdoou e acolheu de novo os apóstatas arrependidos. Simão Pedro negou por três vezes o Mestre, chorou amargamente o seu pecado, de que o Senhor o perdoou e depois foi mártir e o primeiro papa da Igreja Católica! Porque Deus é amor, perdoa sempre o pecador arrependido, não uma vez, nem três ou sete, mas, como em ‘Silêncio’ se mostra de forma tão comovente, setenta vezes sete! (cf. Mt 18, 22).

São Paulo Miki

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Silêncio de Martin Scorsese (III)

Ainda não vi o filme (parece que chegará no próximo fim-de-semana ao Centro Cultural de Angra do Heroísmo). Depois destes opinion maker AQUI e AQUI não queria deixar o artigo do habitué César das Neves.

De facto foi um silêncio bem barulhento:
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Martin Scorsese fez um filme muito barulhento chamado Silêncio. Adaptação do romance homónimo de Shusaku Endo (1966), relata a história maravilhosa dos mártires Ichizo, Mokichi, padre Garupe e uma multidão de missionários e fiéis do Japão em meados do século XVII, numa das mais impiedosas e esmagadoras perseguições da história da Igreja. Scorsese, que fez Jesus descer da cruz em A Última Tentação de Cristo (1988), é fascinado com o fenómeno da apostasia e centra a atenção no drama de dois padres que abandonaram a fé sob tortura. O filme constitui uma bela obra cinematográfica e uma profunda reflexão sobre as questões da fé, perseguição religiosa e apostasia, mas tem três problemas principais.
O primeiro é histórico. O protagonista, padre português Sebastião Rodrigues, é fictício, mas o enredo baseia-se na vida verdadeira de Cristóvão Ferreira, superior interino da província japonesa da Companhia de Jesus que apostatou sob tortura a 18 de Outubro de 1633. A sua renúncia gerou na época grande consternação em toda a Igreja e várias missões para o converter, como a relatada no filme. A fiabilidade da descrição é grande, mas omite que existiram "três tentativas específicas de contactar Ferreira e persuadi-lo a renunciar à sua apostasia" (Cieslik, Hubert [1973] "The Case of Christovão Ferreira". Monumenta Nipponica vol. 29, n.º 1, p. 44): o padre Marcello Mastrilli S.J. martirizado a 17 de Outubro de 1637, o japonês Pedro Kibe S.J., martirizado em Julho de 1639, e o padre Antonio Rubino S.J. e quatro companheiros, martirizados em Março de 1643. Apenas num segundo grupo de dez companheiros de Rubino, chegados ao Japão em 1643 e presos ao desembarque, terão existido abjurações. Também teria sido digno mencionar que o próprio Ferreira renunciou à apostasia e morreu mártir em 1650, segundo relatos que a crítica histórica considera aceitáveis (op. cit. p. 46-48).

O segundo problema é moral. O filme baseia-se num falso dilema ético, a torturante escolha do padre entre abandonar a fé ou entregar os seus fiéis à tortura. O sacerdote recomenda repetidamente a apostasia para os crentes se livrarem do suplício e a voz do próprio Jesus apoia a falácia dos perseguidores e sugere a renúncia. A conclusão parece ser que os apóstatas são-no por generosidade e os mártires insensíveis e fanáticos. Mas a verdadeira escolha, como a vêem os crentes, coloca-se entre o tormento da fossa e o horror ainda maior de uma vida sem fé, sem esperança, sem Cristo. Foi por fervorosa dedicação à salvação dos cristãos japoneses que os mártires sofreram, e os apóstatas cederam, não por amor ao próximo, mas por fraqueza. Deus, na sua infinita misericórdia, perdoa sempre que lhe pedimos, como o filme comoventemente manifesta, mas não confunde o bem com o mal.

O terceiro problema é de consistência lógica. O tema do filme é supostamente o silêncio de Deus; mas Ele não só aparece ao padre Rodrigues, mas fala explicitamente mais de uma vez. Além disso, é estranho que o protagonista, recriminando tantas vezes o Senhor por não lhe responder, descure as formas habituais de Deus falar aos seus fiéis: a Bíblia, palavra de Deus, praticamente ausente do filme, e o testemunho dos irmãos, que neste caso clama com toda a força a presença divina.

No entanto, os inquisidores fazem um diagnóstico correcto da fraqueza do padre Rodrigues, o seu orgulho. A fé humilde dos camponeses japoneses vence a fúria dos perseguidores de uma forma que a arrogância intelectual do sacerdote não é capaz. Rodrigues sente que o sofrimento lhe dá direito a uma revelação particular, sem entender que esse mesmo sofrimento, unido à paixão de Cristo, constitui a maior revelação divina.

Ao contrário do que o inquisidor japonês afirma, a fé não foi derrotada pelo solo hostil do Japão. O argumento de Ferreira a favor dessa tese baseia-se num trocadilho anacrónico, que só funciona em inglês, entre filho (son) e sol (sun). Cristo não precisa de tradução e a fé nipónica, semeada por São Francisco Xavier, resistiu às mais terríveis perseguições e permanece hoje bem presente. O filme explica porquê.

O verdadeiro problema não é o silêncio de Deus, mas o ruído que reina no nosso interior. O cardeal Robert Sarah acaba de publicar um livro ainda não traduzido sobre o tema: A Força do Silêncio contra a Ditadura do Barulho (Fayard, Paris, Out/2016). Como prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, o prelado guineense pode ser considerado o responsável máximo pela oração de toda a Igreja. Cumprindo a sua missão, este volume constitui uma belíssima terapia para os males da sociedade contemporânea: "O silêncio não é uma ausência. Pelo contrário, ele é a manifestação de uma presença, a mais intensa de todas as presenças. O descrédito criado sobre o silêncio na sociedade moderna é o sintoma de uma doença grave e inquietante. As verdadeiras questões da vida colocam-se no silêncio." (p. 36).


João Cesár das Neves, 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Silêncio de Martin Scorsese (II)

Continuo sem ver o filme - como escrevi aqui - contudo, até ao dia, acompanho pelos comentários e pelas críticas, não feitas por mim, mas elaboradas por aqueles que tenho em consideração. Admiro a consciência história e recta de José Miguel Pinto Santos, penso que o economista tocou em boas questões - ou melhor na boa questão: a veracidade dos factos -  a diferença entre a estória e a história.
/Cada vez que conheço mais a verdadeira história, mais fé tenho\




Aqui fica o artigo que vale a pena ler:

"O problema fundamental da nossa era não é económico nem financeiro. Tão pouco é social ou político. Nem sequer é o populismo ou a proliferação de leis e regulamentos que coartam a liberdade e iniciativa dos indivíduos. A grande crise da Europa e da sua civilização é filosófica. Mas não é principalmente uma crise nem metafísica nem sequer ética. A nossa grande falha civilizacional hoje é epistemológica. Já não se acredita que a realidade seja percetível objetivamente. Vivemos numa época em que todos somos Pilatos, prontos a ripostar “o que é a verdade?” e, ato continuo, virar-Lhe as costas com mais desplante e cinismo que o do verdadeiro Pôncio. Hoje, o ceticismo já não é um tique chique de professor de filosofia, como foi no século dezanove, mas um reflexo imbuído em todos os cidadãos pelo sistema escolar obrigatório.

Assim é natural que a ficção tenda a se sobrepor à realidade. Vivemos na realidade virtual na política, na economia e na gestão empresarial. Quando se desvanece a convicção que o conhecimento humano é capaz de aceder à realidade e apreendê-la restam as opiniões e sobra a crença de que de todas as opiniões têm igual valor. Nesta situação as “narrativas” tornam-se mais relevante que os fatos.

As narrativas do PS sobre a TSU e da imprensa europeia sobre Hillary Clinton dariam bons exemplos. Mas outro exemplo, quase tão mediático, é-nos oferecido pela narrativa do filme “Silêncio”. Que ficção não é História é a desculpa do costume para casos destes. Como a narrativa de “Silêncio” é vendida como ficção, argumenta-se que não tem de corresponder aos fatos estabelecidos pela ciência histórica. O problema é que, como já não se acredita na possibilidade de qualquer réstia de objetividade na História, e também porque se consome cada vez mais ficção, a narrativa que fica na cabeça é a da ficção e a que desaparece é a da História. A ponto dos jornais se referirem à ficção de “Silêncio” como “um retrato histórico”. A atitude mental da nossa época é conducente a que o retrato virtual oferecido por Scorsese sobre Cristóvão Ferreira e os dois jesuítas que vão para o Japão em sua busca se torne mais real que a realidade histórica cristalizada em dezenas de manuscritos do século dezassete que chegaram até nós.

Mas qual é o retrato histórico de Cristóvão Ferreira (c. 1580—1650) que nos oferecem as fontes do século dezassete? Para quem estiver interessado em saber mais existe material detalhado e acessível na net (meu aqui e outro melhor aqui). Mas podemos resumidamente referir que Ferreira nasceu em Torres Vedras, arquidiocese de Lisboa, cerca de 1580, e que entrou para a Companhia de Jesus em 1596. Fez dois anos de noviciado em Campolide e depois, a partir de 1598, frequentou o Colégio das Artes em Coimbra. Em Abril de 1600 embarcou numa nau para a Índia e chegou a Macau em Agosto de 1601. Aqui completou a sua formação intelectual frequentando os cursos de filosofia (3 anos) e teologia (4 anos) do Colégio da Madre de Deus. Foi ordenado em finais de 1608 e depois embarcou para o Japão na primeira nau disponível, na Madre de Deus, precisamente na sua última viagem. Ferreira não assistiu ao épico combate que resultou na destruição desta embarcação em Nagasaki, porque logo a seguir a desembarcar foi para o seminário de Arima. Em Macau e em Arima aprendeu o japonês a ponto de se tornar completamente fluente. Em 1610 foi para a capital imperial onde se tornou conhecido e popular nos círculos intelectuais, especialmente entre o grupo que veio dar origem à wasan, a matemática japonesa, e entre os cosmólogos independentes, que começavam então a contestar a cosmologia e o calendário oficiais. Também ficou conhecido, no imaginário japonês, pela prática ativa das sete obras de misericórdia corporais: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, visitar os encarcerados, abrigar os sem abrigo, visitar os doentes e sepultar do mortos.

Quando se deu a proscrição do Cristianismo e a expulsão dos missionários em 1614 Ferreira passou à clandestinidade. Em 1617 deixa a capital e passa a exercer a sua atividade em Kyushu, especialmente em Nagasaki e arredores. Em 1633 o padre Sebastião Vieira (1571—1634), o responsável pela missão jesuíta no Japão, também ele na clandestinidade, é preso pelas autoridades e Ferreira assume a direção de empresa jesuíta. Por pouco tempo, porque no ano seguinte também ele é capturado. O que tornou Ferreira notável e conhecido em todo o mundo, de Nagasaki a Edo e do Rio a Cracóvia, foi o de ter sido o primeiro missionário a apostatar. A Cristandade ficou incrédula e os jesuítas em choque. Fizeram-se jejuns e penitências públicas por todo o lado, de Goa a Vilnius. Antes dele outros padres e irmãos, e muitas centenas de leigos, tinham sido submetidos à laje, ao cavalo de madeira, à suspensão, ao caldeirão, à fogueira, à cruz e à fossa sem cederem nas suas convicções relativamente à Verdade. Ferreira tinha sido posto na fossa.

A fossa, diga-se de passagem, era considerado o tormento mais excruciante de todos, de acordo com relatos coevos que chegaram até nós. O supliciado era revestido com um mino, uma fatiota de palha de arroz, atado com força à volta de todo o corpo, nos pés e pernas, abdómen, braços e tórax, e pendurado de cima para baixo mas de modo que a cabeça ficasse numa fossa, onde usualmente era posto excremento; um sobrado, apenas com espaço para o pescoço, era posto à volta do cachaço para que não pudesse sentir a luz e fazer uma ideia da passagem do tempo; e eram feitos dois golpes nas têmporas de modo a evitar uma morte prematura devido à subida da pressão sanguínea no cérebro. E, já agora, valerá a pena notar que não havia intervalos para refeições, sonecas, ou outras atividades motoras ou excretoras: uma vez na fossa só a morte ou a submissão às exigências da política estatal interrompia a violência. As dores, que se começavam a sentir pouco depois da pessoa ter sido pendurada, são sempre descritas como sendo indiscritíveis: todas as fontes referem que nenhum outro tipo de dor pode ser dado em comparação. A morte ocorria usualmente ao fim de dois a cinco dias, mas uma das mãos era deixada livre fora do mino para que a vitima da violência do Estado pudesse dar um sinal previamente estipulado de que acedia às exigências que lhe eram feitas. Juntamente com Ferreira, a 18 de Outubro de 1633, foram postos na fossa outros cristãos, um dos quais o padre Nakaura Julião (1568—1633), que tinha sido um dos quatro embaixadores japoneses à Europa em 1582-1590 e colega de Ferreira no Colégio da Madre de Deus. Mas enquanto Nakaura exalou o seu espirito ao fim de quatro dias de tortura, Ferreira, que era o chefe, fez o sinal com a mão ao fim de seis horas.

Que Ferreira tenha apostatado levado pela angústia do sofrimento que os cristãos padeciam é uma estória bonita, e que consola a muitos espíritos contemporâneos, mas é ficção. É de frisar que os diálogos de “Silêncio” não são apenas ficção, muitos deles são ficção improvável. Nenhum dos que com ele estavam na fossa foi libertado, e quase nenhum das centenas que se lhe seguiram quiseram ser poupados ou foram poupados. Os japoneses do século dezassete eram rijos, rijos na fé e na incredulidade, rijos na capacidade de sofrer e rijos na capacidade de infligir sofrimento. Seres muito diferentes dos leitores fofos e adocicados de Endo Shusaku na década sessenta, e dos cinéfilos de hoje.

Depois da apostasia Ferreira foi naturalizado japonês, foi-lhe atribuído o nome de um criminoso que tinha sido justiçado, Sawano Chuan, foi-lhe imposta como família a mulher e os filhos do condenado, e foi feito funcionário público. Nas suas novas funções Sawano Chuan participou como interrogador de cristãos que eram torturados, com o fim de obter denúncias de outros correligionários, e no processo ganhou má reputação entre os cristãos japoneses. Foram-lhe também encomendadas várias obras pelo governo, entre as quais um tratado anticristão, Kengiroku, e um tratado sobre a cosmologia ocidental, Kenkon Bensetsu, que tem como peculiaridade ser o primeiro tratado escrito em japonês em que se expõe a esfericidade da Terra, e em que se explica como se pode perceber que na realidade esta é de fato redonda, e que não se trata de apenas mais uma teoria que quem quiser pode aceitar se lhe apetecer.

Os personagens Sebastião Rodrigues e Francisco Garupe da estória são ficção, mas a estupefação de muitos jesuítas ao ouvirem da apostasia fez com que de fato alguns fizessem longas e arriscadas viagens para contactar Ferreira e chamá-lo à razão. O primeiro foi o padre Marcello Mastrilli (1603—1637), que partiu da longínqua Itália e em 1637 chegou ao Japão, onde foi imediatamente apanhado e posto na fossa sem chegar a se encontrar com Chuan ou com cristãos japoneses. Como ao fim de três dias ainda não tinha morrido, as autoridades impacientaram-se e decidiram acelerar o processo com a sua decapitação.

Outro foi o padre Pedro Kibe Kasui (1587—1639), que viajou clandestinamente do norte do Japão para se encontrar com Chuan. Também foi preso mas teve a sorte de ver a fruição do seu desejo de ser interrogado pelo apostata. Aproveitou-a para lhe implorar que regressasse ao Cristianismo, mesmo com o custo da vida. Não teve no entanto qualquer poder persuasivo no ex-jesuíta, foi posto na fossa e morreu. Foi beatificado em 2008.

Seguiu-se em 1643 um grupo composto pelos padres Giovanni Rubino (1578—1643), Alberto Mezchinski (1598—1643), Diego Morales (1604—1643), Francisco Marques (?—1643) e António Capace (1606-1643) a que se adicionaram três catequistas. Rubino, que tinha sido provincial jesuíta na India, partiu de Goa mas as autoridades em Macau não o deixaram rumar para o Japão. Teve então de ir para Manila, onde arranjou um junco para o seu grupo. Assim que puseram pé em Kagoshima foram presos antes de qualquer ensejo de contato com cristãos locais. Foram tratados com todas as cortesias da etiqueta japonesa para com os inimigos do Estado: começaram na laje e terminaram todos, literalmente, na fossa.

Finalmente, um último grupo, composto pelos padres Pedro Marques (1575—1657), Afonso de Arroyo (1592—1643), Giuseppe Chiara (1602—1683), Francesco Cassola (1603-1644), André Vieira (1611-1678) e cinco leigos, tentou também reconverter Chuan. Nenhum deles tinha sido discípulo de Ferreira, mas não há que duvidar da preocupação fraternal que nutriam pela sua vida espiritual. Foram apanhados em Oshima por um grupo de pescadores e enviados para Edo, onde foram processados. Ao contrário das suas expetativas não lograram convencer Chuan, antes foram convencidos por ele, se bem que com a ajuda do argumento esmagador da laje e outros instrumentos coadjuvantes. Depois de apostatarem também eles receberam um nome japonês, mulheres de ladrões decapitados e uma pensão vitalícia para seu sustento. No entanto, ao contrário de Chuan que gozava de alguma liberdade de movimentos em Nagasaki, estes foram confinados, até à morte, no Kirishitan Yashiki, uma prisão-quinta, em Edo, que os isolava de todo o mundo. Embora não tenham estado em contato com cristãos japoneses terão sido estes os missionários que serviram de inspiração para o Sebastião Rodrigues e Francisco Garupe de “Silêncio”.

Não há dúvida que a novela de Endo Shusaku é de uma beleza literária notável ao retratar a complexidade dos sentimentos de um cristão empenhado e convicto sob a pressão atroz dos sofrimentos próprios e daqueles que estima. E o mesmo se pode dizer do filme de Scorsese em que o encanto da paisagem e a beleza da banda sonora são acrescentados ao trama empolgante do drama. No entanto é lamentável que ambos tentem sub-repticiamente passar por realidade o que não passa de ficção usando uma técnica ardilosa: juntando a um personagem histórico de carne e osso duas figuras fantasiosas de padres que nunca existiram. O autor poderia ter escrito a mesma estória sem lá ter posto o personagem histórico Cristóvão Ferreira e a novela seria só novela; também poderia ter feito um relato fatual, com o personagem histórico Cristóvão Ferreira acompanhado de outros personagens históricos, como Chiara ou Cassola, e teria então escrito História. Mas escolheu misturar tudo.

Qualquer argumento em defesa da realidade histórica e contra a sua contaminação por fantasias será de difícil aceitação na idade do pokemon-go, da geringonça e de Donald Trump Presidente. Houve eras em que ficção era ficção e negócios eram negócios. Durante séculos filósofos acreditaram que o conhecimento da realidade era possível. Como consequência despendiam um esforço considerável em justificar que o conhecimento que propunham se adequava á realidade física, social e moral, e faziam-no com entusiasmo e otimismo. Hoje esse entusiasmo e otimismo desapareceram. Podemos até comparar a epistemologia da nossa civilização ao Sebastião Rodrigues do filme: otimista e produtiva enquanto manteve a fé; seca, cínica e dilacerada depois de apostatar."

José Miguel Pinto Santos,
Professor na AESE Business School

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Silêncio de Martin Scorsese

Scorsese é um dos meus realizadores, contudo não posso negar a sua agressividade, o grafismo sem pudor. Juntar Scorsese, o martírio dos cristãos e os Jesuítas é como devaneio cinematográfico, só tenho pena de não poder fazê-lo ao lado do meu avô Francisco que teria ficado muito feliz com esta combinação.

Como ainda não vi o filme, isto de viver nos Açores tem a sua vagareza, vou deixar aqui uma opinião bastante clara, que não é minha, mas é de um amigo meu, e por norma respeito e estimo a sua visão.






Aqui fica o texto do Nuno Castel-Branco, escrito no blog Senza Pagare:


(Atenção: este texto contém spoilers que contam o fim do filme.)

Estreou o Silêncio de Martin Scorsese. O filme tem gerado muita polémica. Muitos têm interpretado a apostasia do Pe. Rodrigues, protagonista, como um acto bom. Outros, escandalizados com esta interpretação, rejeitam o filme por completo.
Mas o filme é muito maior do que o problema da apostasia. Um dos melhores realizadores de cinema, um extraordinário elenco japonês e cenários incríveis das ilhas japonesas fazem-nos viver cada cena do filme. Um martírio filmado assim não deixa ninguém indiferente. E no filme há vários, lembrando as dezenas de milhares de cristãos que foram martirizados no Japão nesta altura.

Uma das ideias favoráveis à apostasia é a de que o Japão é um pântano onde nada ganha raízes. O Pe. Cristóvão Ferreira, o primeiro jesuíta a negar a fé sob tortura, diz que os japoneses convertidos nunca tinham compreendido o Cristianismo a sério. Segundo Ferreira, o culto Cristão dos japoneses não era senão o culto budista ao "deus Sol". Num país assim, não seria mau negar a fé em público e viver as práticas do Japão e do budismo, ajudando os locais de outras maneiras. Mas o filme mostra ao mesmo tempo como esta ideia é falsa. Nenhum japonês seria capaz de passar por torturas tão duras e no fim morrer por um "deus Sol". No início, três mártires japoneses morrem crucificados à beira mar, torturados à fome e afogados pelo encher da maré. Mas estes humildes japoneses morrem por um verdadeiro amor a Deus e pela Sua Mãe, Maria Santíssima. Mais ainda, morrem a cantar o Tantum ergo, um famoso hino eucarístico da tradição da Igreja, esquecido pela maior parte dos Cristãos do século XXI, mas não por aqueles japoneses que deram a vida pela Fé. 

Até ao momento da apostasia, na última parte do filme, os padres jesuítas estão sempre em contacto com estes Cristãos clandestinos do Japão. Primeiro vivem com eles em liberdade e depois nas prisões japonesas. O filme mostra como os Cristãos alimentavam a Fé através de pequenas coisas diárias, sempre iguais. Por exemplo, os Cristãos não só abençoavam sempre as refeições, como o faziam sempre com a mesma oração em latim. A fidelidade com que os japoneses rezavam dava-lhes Paz, mesmo já na prisão. Esta Paz contrastava com a agitação do Pe. Rodrigues, que quase se zanga por ver os Cristãos japoneses tão calmos. A agitação do Pe. Rodrigues leva-o a abandonar essas orações regulares que os outros faziam, e por mais do que uma vez Scorsese mostra-o a esquecer-se de abençoar a refeição antes de comer.

A fé do Pe. Rodrigues torna-se sentimental, baseada em "sinais" como ver o rosto de Cristo na água, que não dão fundamento à Fé. No fim, desesperado por ver tantos Cristãos a serem massacrados, julga ouvir a voz de Jesus a dizer-lhe para apostatar. O filme mostra muito bem o processo que leva um Cristão a negar a Cristo. Não é com leviandade que um sacerdote nega a Cristo. A apostasia é o culminar de um processo longo, que já tinha começado muito antes. O fim do filme é perturbador não só pela apostasia do Pe. Rodrigues, mas porque esta não é diferente do que se passa hoje no Ocidente. Todos conhecemos pessoas que não são Católicas, mas que em tempos o foram. Este processo, que começou com uma transformação interior da Fé, culmina com a própria pessoa a achar que está a fazer bem ao negar a Cristo, tal como acontece com o Pe. Rodrigues.

Silêncio é um filme que não acaba bem. O Pe. Rodrigues fracassa, nega a Fé e vive várias décadas no Japão budista. Estes budistas, surpreendentemente diferentes dos pacifistas que o mundo apresenta, massacraram milhares de Cristãos conterrâneos no século XVII. Obrigaram o Pe. Rodrigues a viver com uma mulher, a escrever livros contra a Igreja, a identificar Cristãos clandestinos e a negar a Fé regularmente. Ainda assim, quando tudo parecia perdido, Deus teve a última palavra. E a Igreja Católica não só ganhou raízes no Japão como sobreviveu até aos dias de hoje.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Nada de novo no "mundo dos artistas"


 "(...) E, de acordo com o que Bernardo Bertolucci admitiu numa entrevista em 2013, não estava no guião. Aliás, a forma como a cena desenrolou não foi consentida por Maria Schneider — atriz que viria a entrar numa profunda depressão depois do filme e morreu de cancro em 2011. O realizador de “O último Tango em Paris” afirmou que queria que a atriz “sentisse a humilhação e a raiva”, em vez de a representar. (...) Na mesma entrevista, a atriz afirmou que “se sentiu humilhada e um bocado violada” por Marlon Brando e por Bertolucci. “Depois da cena, o Marlon não me veio consolar ou pedir desculpa. Felizmente, foi só um ato”, disse. Depois de O Último Tango em Paris, a atriz francesa nunca mais apareceu nua em nenhum dos filmes em que entrou. (...)"



quinta-feira, 28 de julho de 2016

MY STUFF #6

Sou uma apaixonada por Roma ( até trinquei lá  AQUI).
Gelados, Pizzas, Massa, Fé, Arte e.... Vespas.
Sonho desde pequena ter uma (ainda sonho), quero dar a volta à América do Sul com uma, quero ter um sótão em Roma e uma na garagem, sonho em ser a Audrey Hepburn como no filme "Férias em Roma" ou a Anita Eckberg  em  "La Dolce Vitae".
Sentir o cabelo a voar, o estilo e a liberdade, a Vespa é mais do que uma scooter, é tradição é cultura é swag.
Por isso não podia deixar de citar, aqui, a reportagem do Observador, que é também uma história de empreendedorismo perante a crise:
 
 
 
 
 

sexta-feira, 15 de abril de 2016

[Textos soltos]




from-pinterest-

Sempre ouvi dizer - Quem manda lá em casa é .... ( isto não é uma democracia, link

Este texto sobre a tão esperada exortação Apostólica do Papa Francisco- Amoris Laetitia ( Não há receitas simples, link


Este filme  - uma crítica aos tempos modernos ,de chorar a rir, uma dica para este fim-de-semana de sol (trailer, link )








sábado, 12 de março de 2016

Marca n'agenda


8 1/2 o festival do cinema italiano. 
Este ano com as devidas homenagens ao realizador Ettore Scola e a "estreia ainda nos cinemas UCI uma nova cópia restaurada do filme ao qual o festival deve o nome: 8 1⁄2, de Federico Fellini, a 31 de Março que será acompanhada pela exposição ‘8 1/2: A Viagem de Fellini’, que reúne fotos de cena do filme da autoria de Gideon Bachmann. E para homenagear o grande Fellini nestes dois momentos, vai estar na Festa, Gianfranco Angelucci, amigo e colaborador do mestre durante mais de vinte anos."

segunda-feira, 7 de março de 2016

Ainda sobre os Óscares 2016 #3

Para mim o grande vencedor da noite dos Óscares 2016, o prémio que vem atrasado, grande artista e musico, um fragmento do bom cinema, o meu preferido (sem esquecer Nino Rota), o senhor de quem se pode dizer que é um verdadeiro homem da 7º arte, sem pretensões comerciais, um apaixonado.
ENNIO MORRICONE
Prémio da melhor Banda Sonora, depois dos "Spaghetti Western",  "Missão", "Uma vez na América", "Cinema Paraíso", "O bom o mau e o vilão", entres muitas, mesmo muitas boas musicas, que tornaram imortais algumas cenas do cinema e os próprios filmes.
O Óscar veio tarde, esta é uma das muitas injustiças deste prémio. Parabéns e Obrigada porque ainda me dares esperança no cinema.
Aqui fica a entrega, com um discurso simples de um artista com 87 anos, que nunca deixou de trabalhar, vence pelo carinho que demonstra à sua mulher, passado tantos anos (desde 1956), mais um exemplo para Hollywood que aplaudiu em pé:


Ainda sobre os Óscares 2016 #2


Sou fã do cinema, tento sempre assistir em directo à entrega dos prémios mais badalados da 7ºarte, mesmo sabendo dos lobbys e das influências ideológicas, como por exemplo os filmes premiados são por natureza os mais comerciais. Mas gosto do ambiente, gosto de estar acompanhada, com pipocas e cerveja e muitas amigas, pela noite adentro a ver quem será o vencedor, gosto daquela espera: "And the winner is....." e gosto de torcer pelos meus preferidos.
Este ano não consegui acompanhar a cerimonia, o cansaço de uma viagem dominou a minha vontade - será que já são consequências dos 30's? Nãoooooo
Mesmo sem directo, no outro dia logo de manhã, não me contive a fazer zapping, para perceber se o Leonardo tinha ganho o Óscar ou não...
Mas a surpresa foi o melhor filme, Spotlight, um filme que fala sobre a investigação jornalística nos casos de pedofilia na Igreja dos EUA - penso que ganho o Óscar pela história em si, por ser uma ode à liberdade de expressão e ao trabalho dos jornalistas de investigação (espécie em vias de extinção). É um filme ligeiro e passageiro, daqui uns messes ninguém o vai recordar, não é brilhante, é extremamente comercial, mas mesmo assim não o posso deixar de comentar pelo facto do tema do filme ser um tema muito caro.
Não escondo o nojo que sinto por meia dúzia de padres, influenciados pela cultura nos anos 60, terem manchado tanto a fé de milhões, o que eles fizeram foi de uma dor incalculável para toda a Igreja.
Não escondo a repulsa por estes actos hedónicos, nem a tristeza de ver o sofrimento de muitos amigos sacerdotes, homens verdadeiramente bons que lutam pela sua santidade, terem sido traídos pelos seus irmãos.
Apesar de ser um motivo para reavivar a memoria e incentivar a luta contra estes crimes, fico com pena que o filme não tenha sido explicito no esforço que a Igreja fez quando descobriu os casos de pedofilia e percebeu que foram encobertos por membros do clero, esforço esse que esteve muito presente no magistério do Papa João Paulo II e como Bento XVI foi implacável:  "Quase 400 padres foram reduzidos ao estado laical pelo Papa Bento XVI em 2011 e 2012 (...) É um dado que choca e que mostra como a legislação canónica introduzida em 2010 por Bento XVI é apertada e rigorosa (...) Na entrevista durante o voo para Lisboa, em Maio de 2010, o Papa Ratzinger afirma: "A maior perseguição da Igreja não vem dos inimigos de fora, mas nasce do pecado da Igreja e a Igreja tem a profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação, de aprender, por um lado, o perdão e, por outro, a necessidade de justiça. O perdão não substituiu a justiça." (...)".
 
Assim sendo, sem disfarces, nem ocultismos deixo aqui 3 bons comentários a Spotlight:
1 (quase) Jornalista; 1 Padre e 1 Blogger:
 
"(...) E o que fez ele? Começou pelo básico indispensável. Reconheceu a culpa e pediu perdão. Condição necessária, mas não suficiente, para enfrentar a tragédia. A seguir, ouviu as vítimas e investigou os Padres. Vendeu património para pagar indemnizações às vítimas e desenvolveu talvez o maior programa de prevenção destes crimes alguma vez levado a cabo por uma instituição não-estatal. Mas mesmo isso não era suficiente.
Era preciso mais, muito mais. Não só em Boston, como em todas as dioceses americanas, foi preciso enfrentar o problema de frente para que, como na música de Johnny Cash, as palavras de São Lucas nos recordem que “what’s done in the dark shall be brought to the light”. A conferência episcopal dos Estados Unidos encomendou uma enorme investigação independente que custou alguns milhões de dólares.
Os resultados foram arrasadores, mas investigar era a palavra de ordem tanto nos media como na Igreja. Tolerância zero para os criminosos, “background checks” obrigatórios para todos os que lidassem com menores, restrições no acesso aos seminários e processos canónicos sérios que corriam em paralelo com os processos civis e criminais. Gastaram-se mais de 3 mil milhões de dólares em indemnizações às vítimas e várias dioceses foram à falência. Mas ainda assim era preciso fazer mais.
João Paulo II foi pioneiro de reformas canónicas, sob o impulso do então cardeal Ratzinger, mas a mudança acelera drasticamente no pontificado de Bento XVI. Todos os processos diocesanos passam a ser obrigatoriamente comunicados e investigados pelo Vaticano para evitar que algumas dioceses escondessem o problema. Dos 3.400 processos que repentinamente chegaram a Roma, entre 2004 e 2011, 847 padres foram laicizados e 2.572 suspensos de funções.
O Papa Francisco aumenta ainda mais a pressão. Sean O’Malley, já cardeal de Boston, passa a liderar uma comissão constituída não só por especialistas, mas também por vítimas, a fim de propor reformas para serem implementadas em toda a Igreja. Só nos Estados Unidos, três bispos foram demitidos por más práticas em lidar com estes casos.
Será isto suficiente? Ainda não. Apesar de já haver um enorme decréscimo de casos em países como os Estados Unidos ou a Irlanda, em resultado das medidas drásticas adoptadas, todos os anos ainda se descobrem casos novos um pouco por todo o mundo.
Nada do que se possa fazer alguma vez compensará o que antes se deveria ter feito para se impedir um só destes crimes, mas, ainda assim, temos pelo menos que tentar.
Temos de pedir desculpa, temos de ouvir, e temos de falar sem medo para depois se denunciar estes crimes junto das autoridades civis e eclesiásticas. Só assim se combate este flagelo: com a coragem de pôr a vida dos inocentes à frente da reputação da própria Igreja, em linha com as palavras do Papa, “Eu prometo que seguiremos o caminho da verdade onde quer que ele nos leve. Padres e bispos terão de prestar contas quando abusarem ou falharem no proteger as crianças”. (PARA LER TUDO: AQUI)


"(...) Neste sentido, em boa hora o Vaticano, precisamente para que nenhum fiel caia na tentação de esgrimir o tópico da perseguição religiosa contra o filme agora premiado, fez questão de declarar que Spotlight não é, nem pode ser interpretado, como anticatólico.
Outro tanto, aliás, já tinha sido feito pela própria arquidiocese de Boston, num comunicado que, com grande humildade, reconhece a objectividade do filme, ao retratar a pretérita realidade daquela diocese, entretanto totalmente reformada pelo seu novo pastor, o cardeal Sean O´Malley, que, para indemnizar as vítimas daqueles abusos, vendeu a sede do arcebispado e desfez-se de todo o seu património. Não em vão foi escolhido pelo Papa para presidir à comissão eclesial que, a nível mundial, tem a seu cargo a protecção das vítimas dos casos de pedofilia que envolvam clérigos católicos, bem como a responsabilização destes últimos. (...)" (PARA LER TUDO: AQUI)

Para mim um dos melhores artigos sobre o tema
Do blogger Espanhol  , El foco y las sombras
 

Hay buen y mal periodismo, como hay buen y mal cine. Los Oscar han premiado Spotlight, un sólido film sobre la investigación periodística del Boston Globe, que denunció el encubrimiento de los abusos sexuales a menores cometidos por sacerdotes en la diócesis de Boston. Simultáneamente, los “anti-Oscar”, los premios Razzie, dedicados a ensalzar lo peor del año, han dedicado casi todos sus premios a 50 sombras de Grey. Ojalá Spotlight supere la taquilla de 50 sombras de Grey, que ha amasado 457 millones de euros, pero mi instinto me dice que no va a ser así.
También en el periodismo, el rigor y la objetividad no es lo que más vende, y, por desgracia, no es siempre lo que más influye. El Boston Globe prestó un buen servicio a la verdad y también a la Iglesia al rastrear los casos de abusos y denunciar el encubrimiento y mala gestión de la jerarquía, más preocupada de proteger el buen nombre de la institución que de atender a las víctimas y de hacer limpieza en sus filas.
Como periodista me satisface que una investigación concienzuda como la del diario de Boston, que en su día mereció el premio Pulitzer, sea celebrada. Pero, también como profesional, pienso que buena parte de lo que luego se convirtió en un diluvio informativo sobre el tema no está ni de lejos a la altura de los reportajes del Boston Globe. Es llamativo que una cobertura periodística tan amplia como la que ha tenido el tema, haya dejado impresiones tan confusas e inexactas en la opinión pública. Señalo algunas.
En primer lugar, la extensión del fenómeno. Es verdad que, después de la denuncia en EE.UU., saltaron a la opinión pública los casos ocurridos en otras Iglesias en Europa., sobre todo en Irlanda y Holanda. Pero, a base de generalizaciones, no pocos han transmitido la impresión de que el clero católico estaba infestado de depredadores sexuales. Sin embargo, por ceñirnos al país más afectado, EE.UU., el balance estadístico más preciso realizado por el John Jay College of Criminal Justice encontró que en el periodo 1950-2002, las denuncias afectaron al 4% de los sacerdotes activos, y que una minoría aun más pequeña (149 sacerdotes) acumulaba más de un cuarto de las denuncias (27%). Y en otros países, la proporción ha sido mucho menor. Esa minoría produjo un daño que habría que haber atajado y que ha perjudicado la credibilidad de la Iglesia y el buen nombre de la gran mayoría de sacerdotes sanos. ¿Ha sabido presentarlo así la mayor parte de la prensa?
La compresión del fenómeno ha quedado empañada muchas veces por el olvido del contexto histórico en que se produjeron los hechos, que en muchos casos se remontan a hace varias décadas. Hoy nos parece evidente que la “tolerancia cero” es la única política posible. Pero en los años setenta y ochenta, cuando se alcanzó el punto álgido de los escándalos, el clima era muy distinto. En plena revolución sexual, se trataba de liquidar los viejos tabúes. En el caso de los menores, las organizaciones homosexuales pedían la rebaja de la edad de consentimiento sexual. Parte de los Verdes alemanes y un partido específico en Holanda apoyaban la legalización de la pedofilia, contra “la hipocresía sexual burguesa”. Si algo se reprochaba a la Iglesia es que no relajara más las normas de comportamiento sexual y mucha prensa jaleaba a los clérigos que se mostraban más “liberales”. Lo curioso es que la erotizada cultura mediática reprocha ahora a la Iglesia el haber sido demasiado tolerante con una conducta sexual licenciosa. Quizá no vendría mal que los medios de hoy consultaran su propia hemeroteca para recordar lo que defendían en aquellos años.
La Iglesia y los otros
Por otra parte, el tratamiento periodístico y la continuidad en la información no han sido los mismos cuando han afectado a la Iglesia católica o a otras instituciones. En no pocos casos se ha dado la impresión de que los abusos sexuales a menores eran un problema específico del clero católico. En realidad, informes como los de Philip Jenkins, no católico, autor de Pedophiles and Priests, muestran que el problema de los abusos no es más grave en la Iglesia católica que en otros ámbitos. Para Jenkins, todo esto provoca que “la opinión pública se haya familiarizado con la figura del ‘cura pederasta’, mientras que los abusadores de otros ámbitos pasan desapercibidos (…) o son vistos como malhechores aislados”. Si preocupa la protección de los niños, hay que investigar y denunciar también los casos que se producen en el entorno familiar, en los círculos deportivos, en asociaciones juveniles, en escuelas laicas. Pero en el banquillo mediático de los acusados parece que ha habido poco sitio para estos otros responsables.
También se distorsiona la realidad cuando el encubrimiento de casos de este tipo se presenta como una práctica que solo se dio en la Iglesia católica. Cuando se han ido desatando las lenguas, se ha visto que la reacción en otras instituciones fue similar: como en la BBC con el caso Jimmy Savile, en la ONU frente a los abusos de cascos azules en África, o en equipos deportivos de universidades americanas
El legítimo afán de denunciar la injusticia y hacer luz en este tema no siempre ha sido acompañado de esas elementales reglas del oficio periodístico, que obligan a respetar la presunción de inocencia, a contrastar las fuentes, a escuchar al acusado. Esto ha llevado a veces a linchar mediáticamente a clérigos que luego han resultado inocentes, como el caso del obispo castrense de Australia, Mons. Max Davis, que acaba de ser absuelto en los tribunales después de años de persecución. Otras veces el sensacionalismo ha llevado a pintar escenarios dramáticos de abusos, que luego han sido desmentidos o matizados por informes documentados, como ocurrió en Irlanda en el caso de las lavanderías Magdalena o los niños muertos en el asilo de Tuam. Lo malo es que, cuando se descubre que eran exageraciones o falsedades, la respuesta de algunos informadores ha sido: de acuerdo, pueden haber sido mentiras, pero han sido mentiras positivas porque han servido para llamar la atención sobre un problema innegable.
En esos casos de informaciones que han resultado falsas, mi impresión es que muchas veces la prensa ha preferido mirar hacia otra parte y silenciar los propios errores o de los colegas. También aquí se ha impuesto no pocas veces la “omertà”. Hemos puesto en la picota a los obispos que ocultaron los casos de abusos, pero rara vez a los medios que han abusado de la confianza de los lectores con informaciones erróneas o falsas. Quizá también los periodistas estamos a veces más preocupados del buen nombre de la profesión que de servir a los lectores.
Es justo que celebremos el buen hacer periodístico que se nos cuenta en Spotlight. Pero no está de más que señalemos también las cincuenta sombras que han distorsionado la información sobre este tema. Por el bien del periodismo."

Ainda sobre os Óscares 2016 #1

Leonardo ganho o Óscar, mas deve muito a este senhor:
 
 

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

HEart na comunicação social | Diário Insular #5

Artigo é fora da época o tema: a Liberdade (na verdade até combina com o Natal!)
O titulo foi inspirado numa das minhas cenas preferidas do cinema: "Deixe passar um homem livre"
(o filme é este clique aqui: Des Hommes et des Dieux)
 
Será que o homem moderno é realmente livre? Esta é a pergunta, cada um terá a sua resposta, eu somente pretendo expor alguns subterfúgio da nossa liberdade contemporânea.
(Diário Insular | 25 de Dezembro de 2015) 
 
 
 
(para ler melhor clique na imagem)

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

"Play the Marseillaise! Play it!"

Perante estes acontecimentos tenho me lembrado da história de quando estreou o filme Casablanca, no cinema açoriano. Era uma história, ou melhor era História, que o avô Francisco contava-me, sem se fartar de contar e eu sem me fartar de o ouvir.
Ele tinha uma grande admiração pelos franceses, "símbolo de liberdade", dizia-me,  com o seu espirito revolucionário e o seu caracter de historiador, contava-me como o cinema fora um aliado nesta luta  "eu vivi tempos de guerra, em que a história foi escrita não pelos vencedores, mas pelos corajosos, pelos mártires, pelos homens coerentes, incorruptos, que lutavam pela dignidade, pela vida, pela justiça e pela liberdade. No dia em que, nos Açores, chegou às salas de cinema o filme "Casablanca" isso não nos era indiferente, nós sabíamos o que era a guerra, nós sabíamos o valor da nossa liberdade, por isso, no filme, quando Victor Laszlo mandou tocar La Marseillaise, frente aos Nazis e,  juntamento com aqueles dissidentes, todos nós, naquela sala de cinema nos levantamos, todos nós nos pusemos de pé e cantamos, ou melhor gritamos, com as lágrimas nos olhos, o hino da França, porque sabíamos que ali estava o sangue dos que morreram pela nossa liberdade... Naquele cinema podíamos ser um pequeno grupo de açorianos, homens e mulheres que aparentemente  viviam isolados nas ilhas, mas tínhamos fé na humanidade."
Perante estes acontecimentos não me é indiferente ouvir La Marseillaise, afinal de contas, eu também tenho fé na humanidade.
 
 
 (Santa Missa celebrada pelas vitimas dos ataques terroristas - Notre Dama Paris)

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Saudade

 
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Já fez 3 anos, passou rápido, ou talvez não, mas ainda tenho na memória a sua voz e o seu cheiro, os seus conselhos, ainda o vejo na sua poltrona, ainda o vejo às voltas das suas antiguidades, ainda o vejo a comprar chocolates e, às escondidas, a dar aos netos "chiu... não digam nada aos pais", afinal de contas também é para isso que servem os avós, para fazer tolices.
Porque hoje faz 3 anos que o meu querido avô Francisco partiu.

Deixou-me muitas coisas, grandes coisas, coisas que não consigo explicar, coisas imaterializáveis, coisas que não são palpáveis, coisas eternas...
Deixou-me uma grande herança, desde a rebeldia como vivia o seu gosto pela arte sem presunções nem elitismos, a dedicação aos livros, a reverência ao cinema, à musica e as suas visões políticas, completamente anarquistas.
Deixou-me valores, mas daqueles valores que já são uma raridade. De caracter forte mas sempre carinhoso à sua maneira.
Deixou-me uma família e, que raro ter uma família, que extraordinário que riqueza, talvez a maior herança que nos podem deixar: uma família.

Em tua memoria; hoje vesti as riscas, que me ofereceste quando foste a Lisboa;
Em tua honra; hoje trabalho a ouvir Nino Rota.
Em tua vitória; hoje vou à Missa.
Em tua alegria; hoje deixo aqui a tua cena de cinema preferida, aquela cena que retratava a subtileza humana, a história da fragilidade e da grandeza do perdão. A conversão dos índios da Amazónias ao som do Ennio Morricone na flauta do Father Gabriel, o Jesuíta da Missão. Era o confronto entre dois mundos, entre duas culturas mas um só Deus e tu dizias-me sempre "é impossível não chorar ao ver isto":