quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Praça da Alegria

Sabíamos que era para aqueles lados. "Sim menina, suba por essa rua até encontrar um largo. Depois, vira à esquerda e sobe até lá acima". Perguntámos pela Praça da Alegria. Nunca perguntaria pela Clínica dos Arcos. Antes disso pensaria em mil outros nomes porque Clínica é o ultimo que vejo poder aplicar-se ao tipo de 'tratamento' que lá é praticado.

Lá fomos. Frente, esquerda, subir. E chegámos. O ambiente ficava mais pesado, as caras mais vazias. Algumas muito confiantes, outras na dúvida. Algumas precisavam de um bocadinho de atenção, dois dedos e meio de conversa. Outras pareciam já estar batidas naquilo. Durante a hora que lá estivémos, entraram mulheres com uma frequência média de 5 em 5 minutos.

Passaste tu, querida Maria. Levavas o teu namorado, os dois de mochila às costas. Uns miúdos. Não olhavas para ele, querias mostrar esse ar confiante que tanto te custava.
Passaste tu, Joana. Ias com a tua melhor amiga que te tentava distrair do que ia acontecer. Fazia-te rir e tu quase esquecias. Mas chegadas à porta, foi altura de apagar os cigarros, deixar de disfarçar e entrar.
Passaste tu, Teresa. Estavas de mão dada à tua mãe. Não falavam. Era a tua vontade ou a dela que prevalecia?
Chegaste tu, querida Inês. Vinhas de mota, meio envergonhada que alguém te visse. Fumaste uns 3 cigarros, aproximaste-te da porta, acendeste mais um e entraste. Alguém sabia que ali estavas? Ou era uma decisão tua, que nunca ninguém conheceria?
Chegaste tu, Mariana. Vinhas com o teu irmão. Já se notava a barriga. De todas as mulheres que passaram, era fácil ver que tu eras aquela que mais dificuldades tinha na vida. Falaste connosco. Olhavas para nós, sorrias. Depois deixavas que o teu olhar fugisse de novo para a porta onde à segundos atrás estavas decidida a entrar. Ali estava, aparentemente, a solução. Mas ias deixar que eles fizessem do teu bebe de 10 semanas o seu negócio? Olhaste para nós uma ultima vez. Não era fácil. Sorriste a meio tempo e entraste.

A lei do aborto foi permitida há 5 anos. 97% dos 80 mil abortos legais foram opção da mulher, ou seja, nada que ver com causas de saúde ou risco de vida. 60% das mulheres que abortaram têm entre 24 e 39 anos e cerca de metade o ensino secundário ou superior, contrariando o mito de que o aborto seria uma solução de último recurso para adolescentes pobres e desinformadas. 16% dos abortos são reincidências, ou seja, 13.500 vezes o aborto foi utilizado como método anticontraceptivo.

Passados 30 minutos voltámos a ver a Mariana. Vinha com um ar cansado, olhava para o chão pensativa. O irmão veio ter connosco. "Olha, ela desistiu. Mais vale não falarem com ela, porque está meio frustrada". Corremos na sua direção. Um abraço que valeu por tudo, antes de descerem para a Praça da Alegria.

2 comentários:

Catarina Nicolau Campos disse...

Minha querida, valeu com certeza por tudo.
A oração é poderosa, e a pena é de estes 40 dias não serem todos do ano, até que este flagelo acabe.
Valem-nos as Mãos Erguidas, que fazem dessas vidas pequeninas as suas.
Custa muito conviver com esta realidade, e cada vez mais.
Choro a ler o teu post, de tristeza, por um lado, de alegria, por outro, assim como choro sempre que lá passo. Uma vida foi salva (seriam 2?)e realmente, como dizes, vale tudo.
A Mariana nunca vai esquecer desse abraço e vai recordá-lo quando tiver o seu bebé nos braços.

Maria disse...

Diz que para o Céu nunca se vai sozinho. E este, queridas, vai acompanhar-vos na jornada da vida - desta vida! - e da outra. E, então, hão-de saber a sua história e a continuação da sua história e desta e das outras que vieram a seguir. Que bonito! Um beijinho queridas.