Historicamente, não foi há muito tempo.
Nas décadas de 30 e 40 do séc. XX, há 70 anos, por razões várias o povo português obrigou-se a tempos difíceis, que resultaram, entre outras coisas, a racionamento de bens de consumo, nomeadamente de 1ª necessidade.
FILA PARA SENHAS DE RACIONAMENTO, LISBOA 1943 |
Racionava-se a quantidade de açúcar por família (apenas algumas colheres por semana), o pão, se branco, era a 120 gr por pessoa, por dia. As batatas, meio quilo por pessoa, por semana. Frutas, nem vê-las e o peixe - "uma sardinha dá para três pessoas".
Quanto à carne, raríssima, limitava-se aos toucinhos (parte menos nobre, mais barata, mas altamente calórica, e por isso, mais compensadora) e as refeições normais seriam batatas com couves, simplesmente. Excluem-se deste esquema, claro está, as famílias mais abastadas, que comeriam cozidos completos todos os dias.
Quanto à carne, raríssima, limitava-se aos toucinhos (parte menos nobre, mais barata, mas altamente calórica, e por isso, mais compensadora) e as refeições normais seriam batatas com couves, simplesmente. Excluem-se deste esquema, claro está, as famílias mais abastadas, que comeriam cozidos completos todos os dias.
A arraia miúda, essa, de acordo com os autos da época, teve que arranjar outras soluções. Cultivar os legumes e as frutas, criar animais que dessem leite e outros de pequeno porte que permitissem alimento e uma criação relativamente rápida: coelhos, galinhas, etc.
Sobreviveram. Nós cá estamos para contar a história, Portugal não se extinguiu.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. O desenvolvimento e o progresso económico e científico permitiram acabar com as elevadas taxas de mortalidade infantil, ajudaram a melhorar as condições de vida das populações, a saúde, alimentação. A esperança média de vida aumentou significativamente, os cuidados médicos avançados e generalizados travaram a proliferação de doenças que outrora dizimavam cidades inteiras.
Saltando no tempo, em '86 entrámos na CEE e também numa era idealista. De repente, o problema não era a falta, mas a fartura. Já não éramos os magrinhos desnutridos da década de 40, mas sim os gordos que não paravam de comer e depressa se estavam a tornar obesos. Uma obesidade mórbida, que conduziu a que os órgãos vitais começassem a falhar.
E o que se passou a nível do Estado contaminou-se aos particulares. Também comeram demasiado, estão muito gordos, já não se conseguem mexer e muito lhes custa respirar.
A dra. Isabel Jonet falou à televisão aqui e explicou muito bem o que se passa no nosso país.
Se há alguém que percebe de miséria, é a dra. Isabel Jonet. Abdicou de uma carreira brilhante para, há 20 anos, ajudar uma instituição privada de Solidariedade Social que desse de comer a quem tem fome.
Sim, foi a primeira a reconhecer que havia fome em Portugal, e que ela, enquanto portuguesa, não podia ficar de braços cruzados. Preside ao Banco Alimentar, trabalha em regime de voluntariado, não recebe 1 cêntimo e, desde então, tem sido o porto seguro de muitas famílias portuguesas que verdadeiramente vivem na miséria.
Sem dúvida que os cortes dos subsídios, o desemprego e a falta de rendimentos tem sido dramático para as famílias. Porque há contas para pagar, creches, escolas, livros, gasóleo, passes, comida.
Mas a maior parte das pessoas que tem surgido nestas manifestações não está nessa situação. A maior parte, repito.
Tal como disse a dra. Isabel Jonet, temos que aprender a viver com menos. Como? Direi num próximo post.
A Geração à Rasca está desempregada, mas computador e internet não faltam em casa, quanto mais não seja para convocar manifestações de desagrado no Facebook.
Não faltam a Zon ou a Meo, para poder ver as séries todas, os jogos, as notícias.
Ou as idas obrigatórias ao Optimus Alive, ao SuperBockSuperRock, ao RiR, ao Sudoeste.
Mas foi apelidado de "inacreditável".
Pois na minha opinião, inacreditável é a resposta dessa ínclita Geração: um boicote às Campanhas do Banco Alimentar.
Pelos vistos não só falta dinheiro, mas também virtudes e alguma noção. É pena.
Somos egoístas, e não reconhecemos o valor do sacrifício.
Não sabemos ser optimistas e reconhecer nos momentos de crise, oportunidades.
Não queremos saber do impacto que temos na vida dos outros, desde que os interesses pessoais sejam satisfeitos.
Ficamos cegos se nos interessa. Queremos destruir e não somos capazes de pegar num tijolo e projectar uma catedral.
Tal como dizia Fernando Pessoa, que tão bem nos conhecia:
O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada sempre que possível, dos interesses alheios.
Estamos (somos!) mais miseráveis agora, do que quando o pão escasseava.
16 comentários:
Querida Catarina, que texto tão bem escrito. Que cuidado ao mais infímo detalhe. Parabéns. Concordo tanto. Li tudo tudo. Um texto grande mas leve, e muitíssimo bem desenvolvido. Porque não posso levar tudo, levo isto: "Ficamos cegos se nos interessa. Queremos destruir e não somos capazes de pegar num tijolo e projectar uma catedral."
Um beijo grande
Acho que os de esquerda deviam ler este texto!! Estou farta de ver o pedido de demissão de uma Senhora lutadora que só disse a VERDADE!
Obrigada Catarina!! Partilhe isto!!!!!!!!
Excelente artigo!!So neste pais é há uns milhares de imbecis que assinam uma petição a exigir a demissão de uma voluntária!!!!
esta gentalha (fascistóides) estragam tudo com a politização - "esquerda"
O português tem memória curta...
:) muito bom!
Muito bem Catarina! Curioso no facebook os apoios à Isabel Jonet são, neste momento de 4.182 (http://www.facebook.com/isabeljonetbancoalimentar) contra uns míseros 700 e poucos que estão contra ela. Mas isso a comunicação social não noticia. Lerdos! Vão ao link no facebook e façam um like em apoio a esta senhora que merece isso e muito mais.
Muito obrigada, princesa!
Um beijinho grande!
Obrigada pelas palavras e por ter passado no blog! Continue a vir cá! Um beijinho,
Catarina
MLA, muito obrigada! Sem dúvida que é uma petição que não faz sentido nenhum e que revela falta de discernimento de alguma parte do nosso povo, infelizmente.
Querido Anónimo, "Fascistóides" é um termo que desconheço, mas creio que se quererá referir a direita mais conservadora.
Não há necessidade disso: de facto, a esquerda manifestou-se.
São públicas as palavras de Francisco Louçã, ainda neste fim-de-semana, sobre esta polémica.
A politização é um facto, e surgiu da própria esquerda radical..."Trotskistas"?
Sem dúvida.Memória curta e com tendência para distorcer o passado. Obrigada pela contribuição.
Obrigada, querida Xana! Um beijinho
Obrigada, Tia! É mesmo...mas já sabemos o que se pode contar com os nossos media de excelência. Um beijinho grande
Essa de dizer que a Isabel Jonet "abdicou de uma carreira brilhante para, há 20 anos, ajudar uma instituição privada de Solidariedade Social que desse de comer a quem tem fome" faz-me rir! A Isabel Jonet deixou a carreira pelo voluntariado porque isso a realizava muito mais e como, ela mesmo o disse, não precisava de ganhar a vida para sustentar a família... juntou o útil ao agradável!
Ela até pode ter razão nalgumas coisas que disse mas o problema foi a forma como o disse! E quem tem certos cargos, sobretudo quando dependem dos donativos dos outros para realizar as suas acções, deve ter cuidado com o que diz, isto é, não deve defender ideologias políticas sobretudo dizendo que não faz política! Se não vejamos: falou das pessoas que têm que empobrecer, que vivem acima das suas possibilidades, que se não têm dinheiro para comprar bifes, paciência, não podem comer bifes todos os dias (para ela não deve ser problema pois tem dinheiro) e nem uma palavra para o (des)governo deste país que que cada vez impede mais pessoas de comer bifes, transformando a classe média em pobres e os ricos em cada vez mais ricos... esses podem comer bifes, lagosta, caviar... e beber champanhe, claro! Pela parte que me toca sempre contribuí para o Banco Alimentar, mesmo que o dinheiro não me chegasse para bifes... e infelizmente cada vez chega menos... bom, ainda vou tendo computador (comprado nos bons velhos tempos) e internet mas, se calhar, não devia ter pois, na óptica da exma bloguista, tal "luxo" deve estar vedado aos pobres... mas, sabe, eu sou de opinião que nem só de pão (e bifes) vive o homem...
O problema é que a Sra Jonet pensa que os sacrifícios a que os Portugueses têm de se submeter se resumem a "deixar de ir a um concerto de rock" para "pagar radiografias". Talvez para a família da dita senhora seja assim, já que até tem os filhos no colégio São João de Brito. Para quem teve de abdicar da vida inteira, este tipo de afirmações, e vindo de quem vem, cai mesmo muito mal. Não questiono o trabalho da senhora, mas o que ela disse mostra que está muito longe da realidade do povo português. Embora algumas críticas sejam descabidas, merece ser criticada, sim.
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