quarta-feira, 22 de junho de 2016

Ai tal tourada



Nunca gostei de touradas. Nunca apreciei tal espetáculo e confesso que, nos meus tempos de jovem adolescente, era uma ferranha anti-taurina. Até que me apercebi de uma comum e tremenda incoerência destes grupos de jovens (como eu): um enorme amor aos animais e um normal desprezo ao amor humano. Isto, com consequências muito práticas e correntes: os casais modernos perceberam que é muito melhor ter um cãozinho do que um bebé, que o zigoto de elefante é vida e está protegido por leis, mas um embrião humano é somente um conjunto de células…
Apercebi-me que havia uma mudança de paradigma, e eu não queria cooperar nessa “nova ordem” em que os valores estão invertidos. Assim sendo, passei de anti-taurina para pró-humana (e acreditem que é uma tarefa mais árdua).
Confesso que, nesse processo de desconversão tive algumas influências, sobretudo a grande influência da amizade. Nunca na minha família se apreciou touros, mas sempre se apreciou a compreensão e a diferença. Por isso, desde criança que tenho amigas que pensam e vivem de maneira diferente da minha, e tenho muitas amigas aficionadas ou não seria da Terceira.
Eu não percebo nada de touros, só sei que sou Rego Botelho (RB). Sei porque tenho verdadeiras amigas RB, que foram companheiras nas alegrias e que nunca falharam nas tristezas da minha vida e por elas eu sou RB.
Durante um dos muitos passeios que dei à caldeira RB, vi que aquela gente sabe verdadeiramente cuidar dos touros. Eles até chamam o animal pelo nome, percebem quando estão doentes, dão de comer, gostam mesmo do bicho. Compreendi que, para esses toiros, é preservado o interior da ilha – a natureza torna-se intocável, porque esse território pertence ao animal.
O Senhor José Faveira cuida daquelas bestas como nunca vi ninguém cuidar! Disse ao José Baldaya, patrão e amigo, que aquele touro precisava de uma vista de olhos e ele levantou-se da mesa, deixou o comer e até o copo de cerveja, para lhe meter a vista em cima. Sim, os aficionados cuidam dos animais. Nesse dia, cheguei a casa e disse à minha mãe que me ia assumir uma verdadeira RB e a minha mãe respondeu-me que era José Albino (JAF). A minha mãe também não percebe nada de touros – acho que na sua vida, tal como eu, nunca foi a uma tourada de praça – mas percebe muito de amizades, por isso é JAF porque é amiga da Fátima Albino. Porque admira a sua forma de trabalhar e porque sabe tão bem que a Fátima tem um coração do tamanho do mundo, com uma enorme capacidade de ajudar o próximo. Por isso, ela respeitava a minha decisão: gosta das minhas amigas, mas tem um compromisso com a casa JAF.
 

 
E foi esse grupo de boas pessoas que decidiu fazer uma legítima angariação de fundos para ajudar uma grande causa: a luta contra o cancro. Mas a Liga Nacional não quis aceitar esse dinheiro porque é fruto de uma tourada. Só esta atitude daria muito conversa, pois não deixa de ser uma atitude desproporcionada, para não dizer hipócrita. Contudo, o que me deixou perplexa, foi a forma como o caso foi mediatizado.
A Liga Nacional Contra o Cancro, numa forma inconveniente, pois aquele não é o meio, anunciou com um comentário no Facebook, que é anti-touradas (como se esta instituição pudesse falar em nome de todos seus sócios nesta matéria, e como se as touradas fossem tipo o genocídio do Ruanda). E não fica bem a uma instituição desautorizar os seus diretores em público, muito menos no Facebook. Há outras formas mais convenientes de o fazer, principalmente quando se tratam de homens e mulheres com valores, que deram muito à causa e que os terceirenses conhecem e admiram os seus trabalhos, sabendo do seu empenho contra esta maldita doença.
Mas as consequências que este anúncio no Facebook gerou, foram graves. Quem passou pela página do Facebook da Liga Nacional Contra o Cancro não pôde ficar indiferente aos comentários que surgiram nessa notificação - eu sei que os comentários do FB são um antro vazio de conteúdos, são simplesmente palavras de ofensa e cheias de sujidade, que valem pouquíssimo. Mas, quando repetem religiosamente que “preferem morrer do que aceitar ajuda de um toureiro”, como se pode ler, ou é porque a sociedade está doente (não de cancro mas do juízo), ou porque vivemos completamente adversos à nossa dignidade, aos direitos do homem. É dizer àqueles heróis, que na nossa história lutaram pela nossa liberdade, pelo fim da escravatura, tempos em que o homem era comparado com os animais que as suas causas foram em vão. O que eu li não foi a defesa dos animais, foi um ataque ao homem, um ataque à grandeza da vida humana.
Não pouparam ofensas aos que apreciam as touradas, insultaram aqueles que são meus amigos e que fizeram e fazem muito bem na sociedade. Não só foram ofendidos, como as suas famílias foram atacadas - até reduziram o povo da Terceira a um grupo de “bestas” mediáveis. Afinal os animais somos nós os terceirenses.
Amar os animais é fácil, isso é para meninos. Difícil é tolerar as pessoas e amar o homem.
Não gosto da atitude destes cibernautas, que para defender os seus ideais, utilizam baixos argumentos. São os hooligans da ideologia, muitas vezes hipócritas nos sentimentos: adquirem a dor dos animais que comem ao almoço e muitas vezes fecham os olhos às imagens que nos chegam da Síria ou da Nigéria.
Fico com pena que a Liga Portuguesa Contra o Cancro, que é uma instituição que eu tanto admiro, para a qual sempre contribuí, tenha criado esta situação e tenha considerado imoral o contributo de muito boa gente.
Acima de tudo, temos de ser pró-humanos, temos que lutar contra esta terrível doença que tanto ataca a sociedade açoriana. Por isso, em nome dos terceirenses, eu peço desculpa a todos os doentes oncológicos, que necessitam de auxílio, e que ficaram sem ajudas.
Vou continuar a não ir às touradas de praça, e até tenho a ousadia de dizer que conheço pouca gente que gosta de animais como eu gosto, mas sei que a diferença entre o homem e um animal irracional é enorme, mesmo que a minha cadela Xixinha seja bem mais simpática do que muita gente que anda por ai.
Há muitas outras instituições que me fazem ter fé na humanidade. Como me disse a Presidente da ACM-Terceira, Filomena Santos –  uma mulher que lida com situações mais difíceis que muitas touradas e com as pessoas mais incríveis que eu conheço, e nos dá uma enorme esperança –  “Eu sou amiga dos animais e, ainda mais amiga das pessoas.”

25 comentários:

CM disse...

Que bem escrito.
Gostei muito deste testemunho.
E percebo perfeitamente.
Também me faz imensa confusão, como é possível ser se a favor dos animais (de formas por vezes até um pouco doentias) e desprezarmos o próximo, ou violarmos o seu direito à vida.

Filomena Barcelos disse...

Excelente texto! Muitos parabéns.

Unknown disse...

Excelente!!!!

Unknown disse...

Excelente!!!!

ccstylebook disse...

Não tinha conhecimento deste episódio infeliz. Sou terceirense, sou aficionada, sempre o fui, e por azar dos azares também tenho um cancro. Depois de ter lido esta belíssima reflexão fiquei realmente com dúvidas: será que devemos amar os animais ou as pessoas?!

Unknown disse...

É pena que se defenda só com cartazes e bla, bla. Mas ir para o terreno, por exemplo, associações, tratar deles (alimentação, saúde e higiene,são bem poucos que o fazem. Tenho dito.

Elisabete Vidal disse...

Cara blogger,
Adorei as suas palavras... emocionou-me e eu gosto de viver por emoções.
Os meus parabéns plo seu texto... e, permita-me a ousadia... não diga que não percebe nada de touros... percebe o mais importante... o amor, respeito e admiração que todos os taurinos têm pelo Toro.
Além disso, enverga as máximas do mundo dos Taurinos... Respeito, Valores, Humanidade e Humildade.
Bem Haja!

João Parreira disse...

Muitos parabéns. Não lia nada assim há muito tempo.

Anónimo disse...

Se se acabassem os financiamentos públicos (com os dinheiros de todos nós e que nos falta) a estas lindas famílias, deixavam de ter esse interesse tão "genuíno" em tratar tão "bem" os animais. Quer identidade social? Meta se num grupo de conservacao da natureza, de ajuda solidaria, de proteccao animal, e aí vai ver o que é de facto fazer o bem e sem fundos públicos. Tem razão, é tudo ula hipocrisia.

mylookstile.blogs.pot.pt disse...

Parabéns por esta reflexão

Maria disse...

Não tenho a mais pequena dúvida de que o dinheiro da tourada em causa seria muito útil à Liga que escolheu desmarcar se de tal evento... Mas se os aficionados que não puderam contribuir dessa forma, tivessem de facto como principal objectivo o amor aos humanos, bastaria tão simplesmente (e não é aqui neste lugar nem neste contexto a primeira vez que faço esta sugestão) bastaria que entregassem directamente à Liga o dinheiro que iam pagar pelo bilhete. O resultado seria aina melhor, já que da receita auferida não seria necessário retirar despesa nenhuma - e esse incondicional amor pelo touro não teria de acabar numa sessão de tortura em arena pública.

Anabela Castelão disse...

ccstylebook disse: "Será que devemos amar os animais ou as pessoas?". Uma dúvida que comprova que não percebeu NADA do que leu. Amar os animais é amar as pessoas, porque TODOS somos animais. Não há qualquer dúvida para quem não escolhe viver na zona de conforto, que todos os que criticam a defesa dos animais por acharem que as pessoas é que são a prioridade, são os que nunca fizeram rigorosamente nada nem por uns nem por outros.

Unknown disse...

"Devemos amar as pessoas pou os animais?" Mas quem é a besta que faz uma pergunta destas??

Luis Vicente disse...

Tentei comentar aqui o seu texto, mas não foi aceite.
assim, publiquei na minha página do facebook.
https://www.facebook.com/luis.vicente.5602
cumprimentos,
Luís Vicente

Mário disse...

Então deixou de defender os touros para defender os homens que os torturam?? Está certo, normalmente caminha-se para a evolução, mas quis ir para outro lado, e está no seu direito... Agora só falta ir fazer campanhas nas prisões para que libertem todos os prisioneiros (afinal são seres humanos), e pedir que se extinga as profissões de juízes e advogados de acusação. Quanto aos touros, felizmente que não dependem de pessoas como a senhora para garantir o seu bem estar, senão estavam muito mal entregues. Sim, os touros, esses que não foram responsáveis pelos muitos "Ruandas" que existiram e existem mundo fora. Mas espera, se não foram os touros os culpados, quem é que foi??...

Teresa Gomes disse...

Gostava de ver o mesmo empenhamento em manifestações contra os aviários e as explorações de bovinos e suínos onde os animais não sofrem durante umas horas mas desde que nascem até que morrem.

Teresa Gomes disse...

E gostava de ver rejeitar-se ajuda dos grandes hipermercados, por exemplo, que comercializam essas carnes produzidas em grande escala.

Unknown disse...

As touradas provocam muito sofrimento a dois pacíficos herbívoros. Não seja cúmplice dessa tortura desnecessária. Não seja responsável pela tortura. Não participe nem assista a touradas.
“A Tauromaquia é a terrível e venal arte de torturar e matar animais em público, segundo determinadas regras. Traumatiza as crianças e adultos sensíveis. A tourada agrava o estado dos neuróticos atraídos por estes espectáculos. Desnaturaliza a relação entre o homem e o animal, afronta a moral, a educação, a ciência e a cultura" (UNESCO, 1980)

Anónimo disse...

Lamento que tenha passado a defender tal barbaridade. Regrediu na sua forma de pensar, só porque os ganadeiros se preocupam muito coma saúde dos touros e isso basta-lhe , para justificar o sofrimento que terão. Nunca defenderei o agressor , estarei sempre por príncipio ao lado da vítima, sempre assim fui desde criança e não vou mudar.Aceitar donativos resultantes de sofrimento , NUNCA.Até porque os aficionados querendo ajudar é tão mais simples e lucrativo entregarem o dinheiro do bilhete à ''Liga Portuguesa Contra o Cancro''.sem necessidade de arcar com a as despesas inerentes à realização do evento ''Pai afasta de mim esse cálice tinto de sangue''

Teresa Botelho disse...

Pois eu deixo-lhe os meus pêsames e deixo-lhos pq quem vive na Idade Média sem perceber nada de nada, pode ser aficionada, pq acha q a cultura é isso, no entanto, sabemos bem q n é assim, pq ninguém aprende nada a ver espetar um touro q foi criado "com carinho", o q se aprende, ou melhor, o q se entende, é q dá jeito ter amigalhaços,mas se puser uns óculos verá q na Terceira a taxa de alcoolismo é alarmante, tal como na maior parte dos Açores e q a cultura é pouca, segundo pesquisas de entidades credenciadas, senão, procure no Google q vem lá tudo. Chamaram-me a atenção p este texto por ser o q é: apenas uma coisa sem nexo q n consegui ler até ao fim,pq nem valia a pena.

Anónimo disse...

Que texto vergonhoso minha senhora!
O quanto faria bem à Mãe Terra senão tivesse escritos essas sujas palavras, ainda que infelizmente,elas traduzam o que vai dentro de si.
Nós somos apenas Um. Eu, a senhora, um caracol, o touro, todos Um!! Não há diferenças!
Bem haja A As. da Luta Contra o cancro de se ter recusado a aceitar dinheiro sujo de sofrimento, morte, sangue...
Resta-me confiar no Universo e ele lhe trará as respostas para o resto da sua vida!

Unknown disse...

Seria um bom exemplo que os fundos gastos pelas touradas, nomeadamente nos Açores, fossem de DIREITO a contribuição para a liga Portuguesa contra o cancro.Tenho a certeza que a Liga portuguesa contra o cancro receberia o dinheiro, até porque convínhamos seria uma quantida que permite ajudar mesmo.
Eu própria, quando anunciados cerca de €200.000,00 dos contribuintes nas touradas dos Açores indignei me porque minutos antes uma mãe pedia para o filho Tiago portador de um NEUROBLASTOMA cerca de €300.000,00 para o tiago fazer um tratamento experimental. Meu deus como é possivel !!!!!! a minha contribuição para um mundo melhor havia ido para as Touradas, não faz sentido. O Tiago morreu, conseguiu ainda assim o dinheiro para o tratamento ( ainda que não a tempo) através da doação dos pais da Leonor que também estes precisaram de para salvar a filha de cancro e pediram ajuda monetária , também este dinheiro doado não chegou a tempo de salvar a Leonor

Alex disse...

Texto incongruente já que não aborda uma questão muito importante, a da ÉTICA!

Vânea Lúcia disse...

A falsa e hipócrita moral, sim, porque não passa disto mesmo, que geralmente norteia o tradicional e já gasto comentário do ''ajudam animais, mas não as pessoas necessitadas, as crianças, os idosos...'', começa a ser por demais entediante e nada original, já para não falar da completa ausência de fundamento.
Esta teoria dos falsos moralistas rapidamente cai por terra, quando questionados quantas pessoas, entre as necessitadas, as crianças, os idosos, já ajudaram, ou ajudam diariamente e digo diariamente, porque por norma os que ajudam animais fazem-no diariamente, mas com uma abismal diferença, é que também por norma não ajudam exclusivamente os animais, pois geralmente os que gostam verdadeiramente de animais, têm um coração grande, onde cabem todos os seres, não sendo helitistas nem especifistas.
''Amar os animais é fácil, isso é para meninos. Difícil é tolerar as pessoas e amar o homem.'', aqui está uma errada equação porque parte de uma premissa errada, pois o difícil é saber amar e tolerar todos os seres, saber respeitá-los na sua diferença, sejam ou não da mesma espécie e de meninos, principalmente mimados, são este género de observações, de quem se acha no centro do universo pela supremacia da raça que por si mesmo resolveu atribuir, não porque tal esteja cientificamente provado, nem pela religião, aliás neste campo e para os que acreditam em Deus, distanciar outras espécies é minimizar parte da criação divina.
Difícil é, para pessoas com mentes assim, aceitar e principalmente compreender o porquê de muitas pessoas tratarem os seus animais como filhos, mas a simplicidade da questão está na célebre frase de que ''Parir é dor e criar é amor''
Nem vou perder tempo no tão batido argumento de que ''aquela gente sabe verdadeiramente cuidar dos touros. Eles até chamam o animal pelo nome, percebem quando estão doentes, dão de comer, gostam mesmo do bicho.'', porque é tão paradoxal e absurdo, como seria afirmar que os pedófilos gostam mesmo das crianças.
Haja quem tenha moral, principalmente ética, mesmo que seja uma instituição, como é o caso da Liga Nacional Contra o Cancro e nisto e muito mais dou-lhe os parabéns, para quem o dinheiro tem um rosto, caso contrário e pela mesma ordem de princípio (sem princípios), também poderia receber dinheiro de venda de armas, de tráfico de droga, porque não, dinheiro é dinheiro, se não importa de onde vem.
O ser humano tem por princípio evoluir e isso se espera dele, mas há quem faça o percurso ao contrário e que quanto mais pensa, menos evolui... e é neste sentido que lhe dou um conselho, pense menos, bem menos.

Vânea Lúcia disse...

Quero apenas rectificar a palavra ''elitistas'', que inadvertidamente está com um h no início.