Nunca gostei
de touradas. Nunca apreciei tal espetáculo e confesso que, nos meus tempos de
jovem adolescente, era uma ferranha anti-taurina. Até que me apercebi de uma comum
e tremenda incoerência destes grupos de jovens (como eu): um enorme amor aos
animais e um normal desprezo ao amor humano. Isto, com consequências muito
práticas e correntes: os casais modernos perceberam que é muito melhor ter um
cãozinho do que um bebé, que o zigoto de elefante é vida e está protegido por
leis, mas um embrião humano é somente um conjunto de células…
Apercebi-me
que havia uma mudança de paradigma, e eu não queria cooperar nessa “nova ordem”
em que os valores estão invertidos. Assim sendo, passei de anti-taurina para
pró-humana (e acreditem que é uma tarefa mais árdua).
Confesso que,
nesse processo de desconversão tive algumas influências, sobretudo a grande
influência da amizade. Nunca na minha família se apreciou touros, mas sempre se
apreciou a compreensão e a diferença. Por isso, desde criança que tenho amigas
que pensam e vivem de maneira diferente da minha, e tenho muitas amigas
aficionadas ou não seria da Terceira.
Eu não percebo
nada de touros, só sei que sou Rego Botelho (RB). Sei porque tenho verdadeiras
amigas RB, que foram companheiras nas alegrias e que nunca falharam nas
tristezas da minha vida e por elas eu sou RB.
Durante um dos
muitos passeios que dei à caldeira RB, vi que aquela gente sabe verdadeiramente
cuidar dos touros. Eles até chamam o animal pelo nome, percebem quando estão
doentes, dão de comer, gostam mesmo do bicho. Compreendi que, para esses toiros,
é preservado o interior da ilha – a natureza torna-se intocável, porque esse
território pertence ao animal.
O Senhor José
Faveira cuida daquelas bestas como nunca vi ninguém cuidar! Disse ao José
Baldaya, patrão e amigo, que aquele touro precisava de uma vista de olhos e ele
levantou-se da mesa, deixou o comer e até o copo de cerveja, para lhe meter a
vista em cima. Sim, os aficionados cuidam dos animais. Nesse dia, cheguei a
casa e disse à minha mãe que me ia assumir uma verdadeira RB e a minha mãe respondeu-me
que era José Albino (JAF). A minha mãe também não percebe nada de touros – acho
que na sua vida, tal como eu, nunca foi a uma tourada de praça – mas percebe muito
de amizades, por isso é JAF porque é amiga da Fátima Albino. Porque admira a
sua forma de trabalhar e porque sabe tão bem que a Fátima tem um coração do
tamanho do mundo, com uma enorme capacidade de ajudar o próximo. Por isso, ela
respeitava a minha decisão: gosta das minhas amigas, mas tem um compromisso com
a casa JAF.
E foi esse
grupo de boas pessoas que decidiu fazer uma legítima angariação de fundos para
ajudar uma grande causa: a luta contra o cancro. Mas a Liga Nacional não quis aceitar esse dinheiro porque é fruto de uma
tourada. Só esta atitude daria muito conversa, pois não deixa de ser uma
atitude desproporcionada, para não dizer hipócrita. Contudo, o que me deixou
perplexa, foi a forma como o caso foi mediatizado.
A Liga Nacional Contra o Cancro, numa
forma inconveniente, pois aquele não é o meio, anunciou com um comentário no Facebook, que é anti-touradas (como se esta
instituição pudesse falar em nome de todos seus sócios nesta matéria, e como se
as touradas fossem tipo o genocídio do Ruanda). E não fica bem a uma
instituição desautorizar os seus diretores em público, muito menos no Facebook. Há outras formas mais convenientes
de o fazer, principalmente quando se tratam de homens e mulheres com valores,
que deram muito à causa e que os terceirenses conhecem e admiram os seus
trabalhos, sabendo do seu empenho contra esta maldita doença.
Mas as
consequências que este anúncio no Facebook
gerou, foram graves. Quem passou pela página do Facebook da Liga Nacional
Contra o Cancro não pôde ficar indiferente aos comentários que surgiram
nessa notificação - eu sei que os comentários do FB são um antro vazio de conteúdos,
são simplesmente palavras de ofensa e cheias de sujidade, que valem
pouquíssimo. Mas, quando repetem religiosamente que “preferem morrer do que
aceitar ajuda de um toureiro”, como se pode ler, ou é porque a sociedade está
doente (não de cancro mas do juízo), ou porque vivemos completamente adversos à
nossa dignidade, aos direitos do homem. É dizer àqueles heróis, que na nossa
história lutaram pela nossa liberdade, pelo fim da escravatura, tempos em que o
homem era comparado com os animais que as suas causas foram em vão. O que eu li
não foi a defesa dos animais, foi um ataque ao homem, um ataque à grandeza da
vida humana.
Não pouparam
ofensas aos que apreciam as touradas, insultaram aqueles que são meus amigos e
que fizeram e fazem muito bem na sociedade. Não só foram ofendidos, como as
suas famílias foram atacadas - até reduziram o povo da Terceira a um grupo de
“bestas” mediáveis. Afinal os animais somos nós os terceirenses.
Amar os animais
é fácil, isso é para meninos. Difícil é tolerar as pessoas e amar o homem.
Não gosto da
atitude destes cibernautas, que para defender os seus ideais, utilizam baixos
argumentos. São os hooligans da
ideologia, muitas vezes hipócritas nos sentimentos: adquirem a dor dos animais
que comem ao almoço e muitas vezes fecham os olhos às imagens que nos chegam da
Síria ou da Nigéria.
Fico com pena
que a Liga Portuguesa Contra o Cancro,
que é uma instituição que eu tanto admiro, para a qual sempre contribuí, tenha
criado esta situação e tenha considerado imoral o contributo de muito boa
gente.
Acima de tudo,
temos de ser pró-humanos, temos que lutar contra esta terrível doença que tanto
ataca a sociedade açoriana. Por isso, em nome dos terceirenses, eu peço
desculpa a todos os doentes oncológicos, que necessitam de auxílio, e que
ficaram sem ajudas.
Vou continuar
a não ir às touradas de praça, e até tenho a ousadia de dizer que conheço pouca
gente que gosta de animais como eu gosto, mas sei que a diferença entre o homem
e um animal irracional é enorme, mesmo que a minha cadela Xixinha seja bem mais
simpática do que muita gente que anda por ai.
Há muitas
outras instituições que me fazem ter fé na humanidade. Como me disse a
Presidente da ACM-Terceira, Filomena Santos – uma mulher que lida com situações mais
difíceis que muitas touradas e com as pessoas mais incríveis que eu conheço, e nos
dá uma enorme esperança – “Eu sou amiga
dos animais e, ainda mais amiga das pessoas.”