Há muitos
anos que não lia Sophia. Retomei-a recentemente por uma razão prática (ter de
recomendá-la) e estou maravilhada, como não me lembro de me sentir quando a
conheci.
Hoje li A Fada Oriana, que começa desta
maneira lapidar: "Há duas espécies de fadas: as fadas boas e as fadas más. As
fadas boas fazem coisas boas e as fadas más fazem coisas más." E depois mostra
que as fadas são estranhamente parecidas connosco: uma mistura de boas intenções,
tentações subtis e decisões desastrosas. E que as condições da redenção são
exigentes, e estão nos limites do risco.
Sem ser uma
das obras com mais trabalho estilístico, é uma daquelas em que a moral é mais
instrutiva, simples e elevada.
Outros dois
livros que li recentemente são Histórias
da terra e do mar e Contos
exemplares, onde uma pessoa se deleita com o domínio que Sophia tem da língua e da
escrita poética, com os seus ritmos, as suas pausas e as suas metáforas
iluminadoras, mas também com um rigor evocativo e informativo que transforma
cada um dos seus contos num verdadeiro mundo, completo, rico e intenso.
Nestas duas
colectâneas, num total de doze contos, há contos narrativos e contos
alegóricos, contos descritivos e contos pictóricos – quase cinematográficos –,
contos exemplares e contos festivos. E encontramos em muitos deles uma
inocência de criança pequena que abre os olhos ao mundo, e um veio subtil de
humor quase infantil, que os torna encantadores.
Os contos
de Sophia – alguns dos quais foram escritos ao longo de vários anos – são para
ler devagar, saboreando as palavras, alguns mesmo em voz alta, para nos
deixarmos levar pelos ritmos e a riqueza dos sons, e para aguardar na memória o
que eles nos sugerem, aquilo em que nos fazem pensar. Ora vejam se não
vale a pena ler uma coisa assim:
"Quando eu
era pequena, passava às vezes pela praia um velho louco e vagabundo a quem
chamavam o Búzio.O Búzio era como um monumento manuelino: tudo nele lembrava
coisas marítimas. A sua barba branca e ondulada era igual a uma onda de espuma.
As grossas veias azuis das suas pernas eram iguais a cabos de navios. O seu
corpo parecia um mastro e o seu andar era baloiçado como o andar dum marinheiro
ou dum barco."
Por favor,
(re)leiam-nos, ofereçam-nos, façam-nos ler.
Não levam
muito tempo, podem ler-se aos bocadinhos e compensam imenso!