Indiferença e Vaidade
Na mensagem de Quaresma, o Papa
Francisco fala de “globalização da indiferença”. A interpelação que nos é feita é óbvia, mas
muito difícil. Difícil porque a nossa indiferença é tão profunda que já nem nos
preocupamos com o facto de o sermos.
Daquilo que observo em mim e nos
outros, todos nos convidamos uns aos outros a vivermos numa espécie de espaço
negativo, vazio, terra de ninguém. O espaço do nim. Lugar onde tudo é
aceitável, porque não temos a diligência de fazer o bem, de defender o bem,
porque quem faz tem de arregaçar as mangas, tem de dar a cara, tem de procurar
argumentos, tem de ouvir contra-argumentos. Dá um certo trabalho.
Nalgum momento da história,
decidimos começar a não querer chocar com ninguém, a viver de acordo com tudo e
com todos, vestir todas as camisolas, como se fosse aceitável dizer que sim e
que não à mesma coisa, quase ao mesmo tempo. E vemos isto em todo o lado. No
trabalho, para não ferir suscetibilidades. Nas conversas coloquiais, assentamos
a cabeça, para continuarmos amigos de todos. Na escola dos miúdos, porque temos
medo que a professora rejeite o nosso filho e porque, da escola, os professores
é que sabem.
No fundo, todos preferimos andar
silenciosamente, fazendo de conta que tudo está bem, que todos atuamos muito
bem, que a sociedade se autogere na perfeição e que, mesmo que não o faça, não
vou ser eu a mudar o rumo das coisas.
Não sei se sente o mesmo, mas já
tenho dado comigo, calada, perante elocuções completamente bárbaras, a preferir
calar-me e fugir porque não me lembro, no momento, de nenhuma forma de lidar
com aquilo. O problema é que esta atitude se torna viciante e se alimenta
daquilo que cada um tem de mais certo em si mesmo- a soberba/ a vaidade. A
pouco e pouco, vamos dizendo para nós mesmos “Sou bestial, não me meto em
chatices, todas as pessoas gostam de mim…”. UAU, a seguir é o vazio completo.
Vivemos no conforto do vazio. Um vazio de alma que não nos leva a lado nenhum.
Bem, dizia que não nos leva a
lado nenhum, mas isso também não constitui um problema em si mesmo. Estamos num
estado de anestesia tal, num estado de tamanho adormecimento, que não sentimos
falta de nada, até porque para sentir falta de alguma coisa, seria preciso uma
premissa base muito importante- parar. Quem é que tem paciência para parar? Por
isso é que andamos sempre super ocupados e nunca temos tempo para nada. Está na
moda não ter tempo para nada.
Na lufa-lufa dos dias, entre uma
sessão de ginástica, uma tarde de compras, a psicanálise e as atividades
extra-curriculares dos filhos, estamos prontinhos para mais uma temporada de
“paraíso do nada”. Quem não quiser, pode sempre tentar sintonizar a sua antena
para outras atmosferas, respirar fundo e deixar-se estar em silêncio. Sem
pressas, chegará o momento em que as grandes perguntas surgirão.
Paulatinamente, teremos a oportunidade de ponderar o que queremos da nossa
vida, que tipo de pessoa queremos de facto de ser e que aspetos temos de mudar.
Sem comentários:
Enviar um comentário