domingo, 21 de outubro de 2012

Cartas de Guerra


Vou dizer.. Estava ansiosa por escrever um post neste novo formato de blog! Mas à parte isso, tenho aqui uma coisa gira para mostrar. António Lobo Antunes. Desconheço a sua vida e muitos dos seus escritos. Mas conheço a sua forma diferente (bota diferente nisso) de escrever, se expressar, viver. E ontem deitei-me ao som de uma das suas cartas para a mulher, quando cumpria o serviço militar em África (ela cá, de barrigão):

"Domingo de Páscoa - 11 de Abril de 1971

Meu amor,
Não te escrevi ontem porque passei o dia fora daqui por causa de um desastre de viaturas, a cerca de 30km de Gago Coutinho. Mas hoje, domingo de Páscoa, estou de novo a escrever-te para te dizer que cada vez gosto mais de ti. Devem faltar agora dois meses para nascer o herdeiro ou a herdeira. Talvez não fosse má ideia uma rapariga, embora os rapazes sejam mais engraçados a partir de certa idade, sobretudo no princípio da adolescência quando se transformam em jovens machos. Não julgues que não penso nele, ou nela. Penso muitas vezes. (...) Quando soube pelo telefone que ele (ou ela) vinha a caminho senti uma alegria enorme.


Olha, eu adoro-te. Tenho tantas tantas tantas saudades tuas. Gosto tudo de ti, sempre. Vou gostar sempre de ti. Vou amar-te sempre, mesmo quando formos velhos. Mesmo quando formos velhos. Mesmo quando formos velhos. Tenho-me lembrado do Algarve, foram os melhores dias da minha vida os que aí passei contigo. Havemos de lá voltar, se quiseres. O luxo de tudo aquilo para mim, proletário de bairro catita até à ponta das unhas, de andar ridículo, que visto casacos de fotógrafo ao Domingo, com saudades de sandes de queijo. Tenho um bocado de vergonha disso ao teu lado, que és tão elegante de gestos, de movimentos e de atitudes, que tens um ar tão aristocrático, tão senhoril. Pareces uma rainha, um andor, um bicho gracioso. Mesmo de manhã, ao acordar, quando a vista das pessoas que acabaram de dormir tanto me desagrada, mesmo isso tu suportas com panache. 

Muitos beijos do teu marido saloio do Benfica.

António

P.S. Quando eu aí for já tens um bébe a cheirar a bébe, com pés e mãos e unhas! "

Espero que as cartas de guerra um dia voltem a estar in. Comigo nunca vão deixar de estar.

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