quinta-feira, 14 de junho de 2012

"Ter a consciência limpa é ter a memória fraca"

17 de julho de 1954
Nasce em Hamburgo uma criança loira, terceira e última filha de Horst Kasner, um pastor luterano e de Herlind Jentzsch, judia e professora de inglês e latim. Em poucos meses, irá começar a vida, juntamente com os pais, na Alemanha Ocidental, onde a cargo da família estará uma pequena paróquia da cidade de Templin. Ao longo dos anos, a criança crescerá e desenvolver-se-á sob um regime de austeridade, estudando intensivamente russo e química, e alcançando com muito esforço pessoal e familiar prémios de honra em várias disciplinas. Fechará o ciclo de estudos com um doutoramento na área. Trabalhará como cientista no conceituado Instituto Central de Física e Química, na parte oriental de Berlim, onde viverá até à queda do Muro.

17 de julho de 1977
Com 22 anos, conhecerá aquele com quem um ano mais tarde casará, Ulrich Merkel. Passados 4 anos, em 1981, conhecerá Joachim Sauer, com quem viverá, após divorciar-se de Ulrich em 1982. 16 anos depois, a criança-agora-mulher e Joachim casar-se-ão. Esta optará, deliberadamente, por nunca ter filhos.

17 de julho de 1990
Cai o Muro de Berlim, levanta-se Angela Merkel. Com muito esforço e dedicação, e com um verdadeiro sentido de missão, será convidada para a União Democrática Cristã (CDU) e pouco tempo depois será apontada por Helmut Kohl, dirigente da CDU, como a próxima ministra das políticas relacionadas com a Mulher e com a Juventude. Lutar todos os dias. Desta forma, abandonará a figura mulher-política-desvalorizada, e conquistará progressivamente um maior destaque junto do seu partido e do público em geral.

17 de julho de 1991
Rebenta o escândalo de corrupção na CDU. A agora ministra sugerirá o afastamento de Helmut Kohl, e é referida como a única figura capaz de assumir a liderança do partido, sendo designada Secretária Geral do mesmo. Com esta tomada de posse, advoga um fresh start para a CDU e após duros momentos de força política, é eleita a primeira mulher a dirigir um partido na Alemanha. Ao assumir crescente exposição pública, irá continuamente referir que, "nem aos 80 anos saberá alguma coisa, e que tudo está por aprender".

De que forma marcará a história? Esta mulher irá lutar por uma profunda reforma laboral, com especial relevância ao nível da eliminação das barreiras aos despedimentos, e do aumento do número de horas de trabalho semanal, justificados pela necessidade de maior eficiência nas empresas. Irá ainda apoiar os Estados Unidos no seu pontapé de saída para o Iraque, dando início a uma guerra que contabilizará mais  de 100.000 baixas. Defenderá o aborto com unhas e dentes, considerando-se "centrista" nas opções políticas que adota. Será grande apologista das políticas feministas e da perspetiva adotada por estas face ao papel da mulher na sociedade. Apoiará diversas uniões com países economicamente relevantes, olhando apenas ao lucro económico das transações e raramente à parte ética das mesmas.

11 de junho de 2012
Após anos de luta para chegar onde chegou, Angela Merkel tem em mãos a aprovação de um projeto-lei altruísta, que prevê o seguinte: "As famílias alemãs que cuidem dos filhos em casa e não os coloquem em infantários ou outros locais, obterão um subsídio do Estado a partir de 2013: 100 euros mensais por cada filho entre os 13 e os 24 meses. A partir de 2014, esse subsídio aumentará para 150 euros mensais por cada filho no seu segundo ou terceiro ano de vida."

Tudo muito bonito, quase comovente. Parece até que finalmente Angela Merkel opta por fazer jus à frase que pauta os seus discursos, "We must never forget our responsabilities as politicians to our country and its citizens" e se apercebe de que a mulher não vale menos ao optar por enfrentar as dificuldades de uma família em casa em vez de lidar diariamente com o monstro do mercado financeiro europeu e com os efeitos adversos da crise. 

Desmaquilhagem Realidade dos factos: De acordo com as estimativas dos municípios alemães, existe no país um défice de cerca de 160.000 lugares públicos para as crianças mais pequenas. Os valores médios de consumo na Alemanha são superiores aos praticados em Portugal, e 100/150 euros/mês/criança é absolutamente simbólico já para o nosso país. O raciocínio que se procura que seja adotado pelos cidadãos seguirá inevitavelmente linhas que contemplem a inexistência de vagas nas escolas para colocar as crianças pelo que um dos pais terá que ficar em casa, embora não haja possibilidade de apenas um elemento do casal per se sustentar toda a família. Já os partidos da oposição defendem a alocação de verbas para a criação de espaço nas escolas. 

E sai mais uma fornada de políticas anti-natalistas. Desta forma, e de consciência limpa, o país prossegue os seus ideais de hegemonia económica, através de uma negação de vários valores humanos e fazendo uso de uma transparência opaca nas políticas adotadas.


Ein gutes gewissen ist ein schlechtes gedachtnis zu haben Angela!

3 comentários:

Anónimo disse...

Sensacional!! Dona Ana, a sua escrita é algo de muito belo, vá continuando a explorar essas suas capacidades fantásticas. Na minha modesta opinião, tem abordado temas muito interessantes onde foca as várias perspectivas abarcando assim uma série de factos relevantes para a construcção de um resultado final, tornando se as suas ideias claras no meu pensamento. Obrigada e cumprimentos

Maria disse...

Ótimo texto, excelente explicação e pensamento, lógica irrepreensível (20 valores) e conclusões inevitavelmente convincentes.
Quanto a nós, não gostávamos da senhora, mas agora... queremos mesmo deixar de a ver e, de preferência, por efeitos de reclusão para os lados da sibéria. E já agora que vá poupadinha: com a farda do costume.

CM disse...

O que mais gostei neste texto, é que consegue ir quase até ao final sem efectuar nenhum tipo de julgamento.
Deixa-nos leitores a imaginar tudo.
Hoje em dia, acho que no mundo em que todos temos opinião sobre tudo, isso é sem dúvida o mais díficil, escrever algo que não nos mostre :)