quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Vamos voltar ao princípio?



"Parece que já está tudo dito sobre o Natal. Mesmo do ponto de vista do consumismo instalado, é como se existisse um cansaço em relação aos elementos tradicionalmente alusivos ao Natal e houvesse uma espécie de febre de inovar e reinventar. Cansa também a solidariedade, porque esta desobriga filantrópica de dar dinheiro para uma campanha e ´já está!’ não preenche o coração. Até o tema da festa de família é difícil de sustentar, porque as fracturas e tentativas de reconstrução que ferem hoje tantas famílias fazem muitas vezes dos festejos de Natal um momento de convivência forçada de estranhos ou ocasião de novas e dramáticas solidões. Em resumo, esvaziámos o Natal da sua origem e razão de ser e sobra um esbracejar atordoado de festas e comezainas e um amontoar doentio e enjoativo de coisas dadas e recebidas que geram mais tédio do que alegria.

Já fizemos tudo com o Natal. Vamos voltar ao princípio. “Como pode um homem nascer sendo velho?” perguntava o velho Nicodemos a Jesus. Poderemos nós, velhos e gastos por tudo o que já vimos e julgamos saber, voltar a ser como crianças diante de uma novidade?  "Um homem culto, um europeu dos nossos dias, pode acreditar, crer de verdade, na divindade do Filho de Deus, Jesus Cristo?" Esta pergunta retirada da obra de Dostoievski “Os Irmãos Karamazov” é a pergunta deste Advento. Não se trata de saber se somos capazes de entrar numa igreja vazia e ter a impressão de sossegar o coração naquele silêncio; se no fundo não temos objecção intelectual à ideia de que exista um ser superior ou se nos sentimos fiéis aos valores católicos porque tentamos ser boas pessoas.

O que está em causa é este Nazareno chamado Jesus, conhecido como filho do carpinteiro. O que está em causa é Ele, pequenino e frágil, a berrar, a mamar, a bolçar, a sujar os paninhos que lhe serviam de fraldas, como todas as crianças. O que está em causa é Ele, durante 30 anos silenciosos de trabalho braçal, unhas pretas, calos e cortes nos dedos, músculos doridos, muitas cadeiras, muitos bancos, muitas mesas, muitas arcas, muito serrar, lixar, aplainar. O que está em causa é o que Ele, ao fim desses 30 anos, disse de Si próprio. Disse aos amigos, mas também àqueles que curou e converteu; disse durante os três anos de arrasadora popularidade, mas também nas 12 horas da Sua Paixão; disse antes de morrer e depois de ressuscitar; disse de viva voz, mas continuou a dizer ao longo de 2000 anos pela palavra e pela vida entregue dos Seus na Igreja que Ele fundou. O que está em causa é que este Homem tenha a ousadia de Se dizer Deus e que isso implique uma tomada de posição por parte de todos aqueles que d’Ele se aproximam.

Jesus é verdade mesmo. Não é um filme, de que retemos só a parte de que mais gostamos. Não é uma ideologia, a que aderimos parcialmente. É um Homem em Quem nos embatemos. Um encontro humano é sempre o acontecimento de duas liberdades, uma diante da outra. Jesus de Nazaré diz que é Deus e oferece uma relação fiel e totalizante para a vida e para a morte. Mais concretamente ainda, apresenta-Se como resposta para a nossa procura de felicidade. Mostra saber como é o nosso coração e poder preenchê-lo. Dá tudo e pede de nós uma dádiva também total, porque é nessa confiança incondicional, nesse abandono, que está o segredo da vida feliz e realizada. Neste Advento, o desafio da Fé é este. Diante do Presépio, na Missa do Galo, em qualquer momento onde o Nome de Jesus se cruze com a nossa azáfama, saberemos que não é sério reduzir ou disfarçar. O Menino Jesus é a proposta mais radical que já nos foi feita na vida. Cabe a cada um de nós a decisão de aderir. (...)"

Madalena Fontoura

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