Caríssimos deputados, gostava de vos contar uma história, uma pequena história que se passou comigo, mas que também é habitual na vida dos comuns cidadãos que vós representais.
Fui uma estudante universitária deslocada, saída das ilhas. Frequente entre os açorianos que procuram novos horizontes.
Deixar a casa tem os benefícios, e Lisboa é uma cidade incrível, o encontro com grandes visões académicas, o conhecimento de outras realidades, poder viajar e frequentar lugares diferentes... A internet não nos basta é preciso viver. Mas tudo isso tem um preço, saudades, solidão, esforço...
Senhores deputados, durante a minha vida de estudante, trabalhei enquanto frequentava o ensino superior.
Foi nesses dias, enquanto estudante universitária deslocada, que descobri o que significa ter uma hérnia, não era uma hérnia qualquer, habitava nas minhas costas, mais propriamente na L5, mas também descobri o pior pesadelo de todos os cidadãos deste país: o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Posto isto, quero contar-vos a minha pequena realidade do SNS, pequena digo eu porque não falo de uma doença como o cancro entre outras terríveis situações que tanto afetam os portugueses.
Hospital do Santa Maria, mais 3h de espera no meio de tanta desgraça, tanto sofrimento à minha volta, fui atendida, num corredor, precisava de levar soro e a medicação pela veia, não havia espaço, fiquei no gabinete dos enfermeiros, onde vi vidas bastante duras. Lembro-me, até hoje, de uma senhora não sei o nome, mas sei o rosto, estava ali há espera de uma ambulância e ali ficou, provavelmente seria um dos últimos dias dela nesta terra, maltratada, abandonada....
No final, paguei 20€ (taxas + exames) mais 10€ parque estacionamento (fui com uma amiga que me deu boleia, eu não estava propriamente capaz de andar), quero dizer que nessa altura trabalhava num restaurante de Sushi, algo que nunca me envergonho e que agradeço muito, mas ganhava somente 3€ p/ hora, feitas as contas precisei de trabalhar 10 horas para pagar um mau serviço.
Eu estou a falar de uma simples hérnia (o facto é que mais tarde tive que recorrer a outro médico e gastar mais dinheiro). Não, não me quero fazer de coitadinha, de vitimas da sociedade capitalista, tenho muito orgulho de ter sido uma trabalhadora-estudante, mas também tenho a certeza absoluta que existem pessoas que se esforçam mais do que eu, que têm vidas mais complicadas que a minha.
Mas quando vos vejo sentados na minha assembleia, a ganhar o meu dinheiro, agarrados ao meu microfone a discutir o fim da taxa de 7,50€ do aborto, que custa ao Estado entre 829,91 euros e 1074,45 euros, como prioridade para a vida dos portugueses fico revoltada. Desresponsabilizando deliberadamente e na totalidade quem faz um aborto (que é a matar a vida de um bebé, sei que muitos de vós não acredita que um feto com 11 semana onde bate o coração, seja vida humana, contudo os nazis também não acreditavam que os Judeus eram humanos e a história encarregou-se desse assunto). Tornaram a prioridade de uma Assembleia, fizeram do aborto algo banal normal, mais um método contracetivo oferecido pelo Estado, ainda por cima com a justificação que é pela minha dignidade feminina... Claro que fico revoltada, que sejam os meus deputados portadores de uma enorme desigualdade e de uma tremenda injustiça.
Não me venham é com bandeiras às cores a falar da igualdade, porque já percebi que há uns mais iguais do que os outros e os doentes de hérnias na L5 não fazem parte desse grupo de cidadãos, na verdade todos os doentes que procuram um hospital publico por doença não fazem parte desse grupo de cidadão.
Só um conselho, ideologias à parte e ironias à parte, trabalhem em prol do nosso país e não do vosso partido.
Muito obrigada,
Uma cidadã.
Muito obrigada,
Uma cidadã.
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