«A adopção de crianças por casais homossexuais, as barrigas de aluguer, mudança de sexo a partir dos 16 anos, casas de banho unissexo, eutanásia, mudança de designação do Cartão de Cidadão, fim do ‘offshore’ da Madeira e, mais recentemente, a intenção de convocar um referendo sobre a permanência de Portugal na União Europeia, todos foram temas para a líder do Bloco de Esquerda produzir declarações carregadas de dramatismo.
O diploma legal das chamadas “barrigas de aluguer”, aprovado por uma maioria parlamentar que incluiu deputados do PSD, mas com os votos contra do PCP, foi objecto do primeiro veto do novo Presidente da República. Marcelo fundamentou o veto em pareceres do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que chamam a atenção para o facto de a criança ser ignorada. O Parlamento tem agora de refinar o diploma e fazer com que a técnica apenas possa ser utilizada por casais com problemas de infertilidade grave.
A eutanásia é outro tema fracturante que o Bloco de Esquerda pretende legalizar. Ainda em fase de preparação, a questão da morte assistida coloca uma série de questões, éticas e legais, que têm adiado o avanço do tema que, além do Bloco de Esquerda, também conta com declarações de apoio de cerca de três dezenas de deputados do PS e com o PCP a valorizar o assunto mas a dizer que não é prioritário.
O Bloco de Esquerda e Catarina Martins também enveredaram por outros temas, como a exigência para que se mude a designação do Cartão de Cidadão para Cartão de Cidadania, para evitar a discriminação. Assunto que depois, pelo ridículo, parece ter caído no esquecimento. A líder do Bloco veio igualmente dar voz à exigência de que a mudança de sexo possa passar a ser possível a partir dos 16 anos.
Sempre em tom dramático, a líder incontestada do Bloco de Esquerda, eleita com 83% dos votos dos delegados à última convenção nacional daquele partido, que decorreu no último fim-de-semana, corre o risco de, a breve trecho, ficar sem mais temas fracturantes para lançar. Curiosamente, há um sobre o qual nunca se ouviu falar: a eugenia.
A eugenia é uma teoria altamente polémica, do ponto de vista ético e moral, que defende a possibilidade de melhoramento da espécie humana, do ponto de vista físico e mental, através de métodos de selecção artificial e de controlo reprodutivo que, entre outras coisas, podem prevenir e combater doenças de cariz hereditário transmitidas geneticamente.
Melhor do que querer usar a tecnologia para vencer a natureza – como é o caso das pessoas com doenças agora incuráveis que pretendem ser congeladas para mais tarde, com o avanço da ciência, poderem vir a ser revitalizadas e curadas –, talvez seja preferível respeitar essa mesma natureza.
Um bom exemplo de como os homens podem errar foi dado por Jerôme Lejeune, pediatra e geneticista, e o biólogo Jacques Monod durante um debate televisivo. Lejeune perguntou: “Um pai sifilítico e uma mãe tuberculosa tiveram quatro filhos: o primeiro foi cego de nascença, o segundo morreu após o parto, o terceiro nasceu surdo-mudo e o quarto tuberculoso. A mãe ficou grávida de um quinto filho, o que faria o senhor?”. Jacques Monod não pestanejou e respondeu: “Eu teria interrompido essa gestação”, ao que Lejeune respondeu de imediato, “Então o senhor teria acabado de matar Beethoven”.
Com que intenção pretende Catarina Martins introduzir, a cada momento, temas fracturantes da sociedade? O último foi, há poucos dias, o do referendo à permanência na União Europeia. A proposta já levou Rui Tavares a escrever no Público que “não há pior para os referendos do que os políticos ambiciosos. Quando anunciam referendos não tencionam convocá-los, quando os convocam não os querem ganhar e quando os ganham não sabem o que fazer”. Dirigida a Catarina Martins, a ideia também pode aplicar-se aos líderes da campanha do ‘leave’ no Reino Unido que, agora, não sabem o que fazer.
Também Ricardo Araújo Pereira, no programa Governo Sombra, se referiu a Catarina Martins para afirmar que, se seguir à risca o preceito contra a discriminação que é o Cartão de Cidadão, dirá um dia: “Portugueses e portuguesas, estamos aqui reunidos e reunidas porque estamos todos e todas preocupados e preocupadas com a questão dos desempregados e desempregadas”, e concluiu que “ninguém leva a sério uma pessoa que fale assim”. É caso para dizer: oxalá assim seja, porque não há nada mais irritante do que o tom dramático que a líder do Bloco de Esquerda utiliza para os mais diferentes temas, sejam eles fracturantes, ou não.»
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