... mas atenção… não o disse só. Têm que imaginar como eu o
ouvi: imaginem-no a dizer isto como se tivesse oculto, guardado lá dentro há
muito tempo. Como se tivesse pensado naquilo durante anos e agora,
finalmente, conseguiu traduzi-lo por palavras e, por, isso entra ali decidido, e pouco lhe
interessa se estou só eu ou estão cinquenta espectadores porque é o seu momento:
- Apesar destes medicamentos todos que me tem dado, eu-não-durmo. E não
durmo sabe porquê? Porque há pessoas que têm uma pedra, mas eu tenho um bocado de
carne. Sabe? Um bocado de carne cá dentro que se chama coração.
A médica leva as mãos à cabeça em
desespero de causa enquanto o senhor César ao comover-se (porque disse, finalmente, disse!) revelou a trama: a secretária marcou
a consulta porque o senhor César tinha problemas de sono; a doutora dá-lhe
medicamentos para dormir, porque, efectivamente, ele não dorme; o senhor César, tem
problemas de sono, porque os seus problemas são problemas de HEart.
Qual César, senhor de outros
tempos, este César tem em si as preocupações do mundo, porque para ele este mundo é o seu império.
E eu, uma inquilina naquele gabinete,
atrevo-me a completar o epílogo ao lembrar-me de outro coração em carne que me
disse o que eu nunca quero esquecer: “Trago
comigo as preocupações e as esperanças deste nosso tempo e as dores da
humanidade ferida, os problemas do mundo…”*. Mas esse, ao invés de despejá-los
num gabinete qualquer, de joelhos, foi colocá-los aos pés de quem não nos tira
o sono.
*Discurso do Papa Bento XVI durante
o Terço no Santuário de Fátima a 12 de Maio de 2010
7 comentários:
Lindo lindo lindo, prendeu-me a atenção desde o primeiro segundo em que comecei a ler. Querida Kika..
Nunca mais me esqueço nos meus primeiros anos de trabalho, tive um caso de uma menina que um dia me disse numa sessão que lhe doía o coração... fizeste-me recordar isso mais uma vez! Obrigada. Um beijinho
Muito bom!!!
Querida Ana!!!
Xana, hei-de contar aqui aquelas histórias preciosas sobre os doentes transplantados de coração e a "nova vida" que começa com um coração que não é o nosso!
Teresa, fico feliz por teres sobrevivido ao fim de semana ;)
Kika! A verdade é que eu ía escrever "como compreendo o Senhor Cesar". Mas o teu final deixou-me sem palavras. E a pensar. Muito. Obrigada!
lindo texto. pobre senhor César.
bj
Queridas Maria e Rosarinho! A vida em Évora é uma maravilha, mas tenho tantas saudades vossas!! Um beijinho amigo!
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