Haverá coisa mais simples que uma pomba branca carregando no seu bico um raminho verde? Pousou-se-lhe no ombro uma pomba branca e tamanha irreverência e invasão de privacidade só podia ter resultado numa conversa mais ou menos assim: para os que não querem complicar a sua própria existência, tu existes e és uma pequenina pomba branca. Mas depois há realidades indubitáveis que só eu sou capaz de conhecer e que não acontecem quando pousas num ramo ou num beiral: há o ver-te, o tocar-te, o mexer-te, como eu te vejo, te toco e te mexo; são os sentidos que chegam até mim que me fazem intuir a perfeição e a finalidade com que foste criada. E é nessa sintonia que agora crio contigo e com a natureza (porque no meu ombro vieste pousar – sussurrou-lhe), que me apercebo que tens uma significação para além de teres uma existência.
E, decida, sacudiu-a.
Enquanto observava a pomba a afastar-se no céu pensava para si: é preciso não deixar de procurar a profundidade nas coisas simples. Mas começar a falar com pombas já me parece um pouco demais…
Em escassos segundos, deixou de conseguir vê-la. Por momentos sentiu-se quase perdida, quase esmagada, não fosse a imensidão do azul do céu - que lhe deixava um vazio maior no peito do que no ombro - fazê-la recordar-se do que dizia o autor de outra pomba branca e que a ajudava tantas vezes a simplificar-se: quando não tenho azul, ponho vermelho… E sorriu.
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